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Súplicas a São José


       Glorioso São José, pai nutrício de Jesus Cristo e esposo de Maria Santíssima, volvei vosso olhar de misericórdia para as nossas famílias, protegendo-as como protegestes a Sagrada Família de Nazaré. Abençoais os pais, para que saibam dirigir o lar com prudência e firmeza, promovendo a felicidade da família. Abençoais os filhos, para que sejam a honra e a esperança dos seus genitores. Não permitais que venham a faltar em nossos lares o carinho e o amparo de que todos necessitam. Enfim, abençoais todos os moradores de nossa casa, para que encontrem no recanto do lar a felicidade tão desejada. Pelo amor que demonstrastes para com o vosso Filho adotivo, zelai pelos nossos filhos.
        Pelo carinho que tivestes para com vossa Santíssima Esposa, Maria, Mãe de Jesus Filho de Deus, amparai as mães. Já que nos colocamos debaixo da vossa poderosa proteção, livrai-nos dos males que estão ameaçando as famílias cristãs. Ensinai a todos a fugir do abismo que destruirá os laços sagrados que unem as famílias cristãs.
          Nós vos pedimos, glorioso protetor:

Dos ataques de satanás, livrai as nossas famílias.
Dos males que nos ameaçam, livrai as nossas famílias.
Das rixas e contendas, livrai as nossas famílias.
Das doenças e aflições, livrai as nossas famílias.
Da tristeza e do desespero, livrai as nossas famílias.
Do espírito mundano, livrai as nossas famílias.
Da imoralidade degradante, livrai as nossas famílias.
Da rebeldia religiosa, livrai as nossas famílias.
Da falta de amor, livrai as nossas famílias.
Das dificuldades financeiras, livrai as nossas famílias.
Da desonra e leviandade, livrai as nossas famílias.
Da falta de pão e agasalho, livrai as nossas famílias.
Dos perigos do mundo, livrai as nossas famílias.
Das enfermidades, livrai as nossas famílias.
Da moda escandalosa, livrai as nossas famílias.
Das amizades nocivas e perigosas, livrai as nossas famílias.
Da falta de fé, livrai as nossas famílias.
Das incompreensões e dúvidas, livrai as nossas famílias.
Da morte eterna, livrai as nossas famílias.
Da desunião e fraqueza, livrai as nossas famílias.

Isto vos suplicamos, ó grande Santo, pelo amor que tivestes a Jesus e a Maria.
Ó Deus de bondade e misericórdia, pela intercessão de São José, salvai as nossas famílias, dai que vivamos enlaçados em vosso amor, que nem a morte desfaça, e assim como nos fizestes unidos nesta vida pelo sangue, reuní-nos pela caridade no vosso Reino eterno. Por Cristo, Nosso Senhor. Amém.

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São José protetor da Santa Igreja - Editora da Divina Misericórdia

Summa sobre a vida de São José

FONTE

            Foi ab aeterno predestinado para ser Pai reputado de Cristo, e Esposo verdadeiro de Maria Santíssima. Foi representado no Testamento velho em várias figuras simbólicas. Procedia da Tribo Real de Judá e soberana casa de Davi. Era parente de Maria Santíssima em terceiro grau. Herdou as virtudes de todos os seus progenitores ilustres. Em certo modo, comunicou nobreza temporal ao mesmo Filho de Deus. Tinha o direito hereditário ao Reino de Israel pela linha de Salomão. Logo aos sete meses, depois de concebido, foi santificado no ventre de sua mãe. Houve quem lhe atribuísse a imunidade da culpa original. Nasceu em Nazaré, conforme a melhor opinião, causando, com o seu nascimento, extraordinária alegria. O nome de José, que se lhe pôs na circuncisão, é o mais admirável e suave, que há, depois dos soberanos nomes de Jesus e Maria. Recopilam-se nele muitas virtudes. Foi nas feições muito semelhante a Cristo, e tinha um aspecto belo e gentil. Ao terceiro ano da sua idade, ou logo que foi concebido, teve uso da razão, e infundiu-lhe Deus uma luz sobrenatural das coisas. Teve coletivamente todas as virtudes e perfeições dos mais Santos. Foi, em ato heróico, humilde, caritativo, constante, mortificado, prudente, puro, sábio, contemplativo e justo. Aos doze anos fez voto de perpétua castidade. Foi confirmado em graça e nunca pecou nem venialmente, sendo-lhe extinto o fomes peccati, isto é, a inclinação para o mal. Sem embargo de ser descendente de Davi, foi pobre de fortuna, mas a sua pobreza era honrada. Foi carpinteiro sem detrimento da sua nobreza e, neste ofício, se equiparou com o Pai Eterno. Foi insigne e afamado na sua arte. Tinha quarenta anos de idade, quando se desposou com a Virgem. Nos seus desposórios houve alguns prodígios. A maravilha de lhe florescer a vara seca e as outras, que sucederam, não são muito certas na opinião de alguns. Neste ato, deu o glorioso Santo um anel à Soberana Virgem, e cobriu-a com parte da sua capa. Contraiu com a Virgem um verdadeiro e substancial matrimônio. Foi o Santo elevado à maior dignidade, que se pode imaginar. Adquiriu a mais alta nobreza. Toda a maioria dos louvores do Santo está em ser Esposo de Maria Santíssima. Levou a Senhora para Nazaré, pátria de ambos. Vida admirável fez em companhia da Virgem. Renovou o voto de virgindade, e Deus o confirmou em graça. A sua prudência enganou o demônio. Foi muito solícito e obsequioso para com Maria Santíssima. Consentia que a Senhora o servisse e lhe chamasse senhor. Conheceu na Senhora indícios de ter concebido, e não a queria receber como esposa por veneração e respeito. Andou vacilante querendo se ausentar da cidade, mas o Anjo do Senhor o tirou dessa perplexidade, mandando-lhe que recebesse a Virgem Maria. Foi com a Virgem a Belém para obedecer ao edito do Imperador. Sucederam-lhe várias tribulações nesta jornada. Foram ardentes os desejos, que teve de ver nascido o Menino Jesus. Chegou a Belém aflito por não achar abrigo, e com a Virgem Maria se recolheu em uma gruta. Ali foi o primeiro, que adorou ao Deus Menino. Circuncidou ao Menino e impôs-lhe o Santíssimo Nome de Jesus, em cuja ação adquiriu autoridade paternal. Ele foi o primeiro, que proferiu tão soberano Nome e nos ensinou a invocá-lo. Como pai de Cristo, excedeu em dignidade a todos os Santos e ainda aos Anjos. Vai com a Virgem ao Templo e oferece pelo Menino um par de rolas. E, como a primogênito, resgatou-o com cinco ciclos. Pelo aviso de um Anjo, fugiu com a Senhora e o Menino para o Egito para o livrar da tirania de Herodes. Padeceu muitos incômodos e sustos nesta longa jornada. Nele se manifestou ser o verdadeiro Anjo Rafael em defesa e guia de Cristo. Teve o gosto de ver cair despedaçados os ídolos nas terras do Egito. Fez habitação no lugar denominado Mathuréa. Logo no princípio do seu estabelecimento, teve perseguições. A sua vida, neste desterro, foi prodigiosa, tendo um sumo júbilo, quando ouviu ao Menino a primeira vez chamar-lhe pai. Esta prerrogativa é inexplicável. Cantava suaves hinos para acalentar ao Menino. Ensinou-o a andar, e serviu-lhe de Mestre e Pedagogo. Retirou-se do Egito com a sua Sacra Família por aviso do Anjo e voltou para Galiléia, padecendo, nesta jornada, bastantes incômodos. Estabeleceu-se em Nazaré e ali passou vida edificante. Indo ao Templo de Jerusalém para a observação das Festas com a Virgem e o Menino, este se deixou ficar no Templo sem eles o saberem, por cuja perda e saudade se afligiu muito, até que, no fim de três dias, o achou disputando com os Doutores. Depois de o achar, trouxe-o pela mãe para Nazaré, e o Menino lhe obedecia com respeitosa humildade. Em todo o tempo, que viveu na companhia de Jesus e Maria, seu gozo foi maior do que se fora arrebatado ao céu. Não padeceu, nesta vida, enfermidades. Morreu nos braços de Cristo e Maria Santíssima. Teve o privilégio de o não perseguir, naquele transe, o demônio. Despediu-se do Senhor e de sua Esposa com palavras ternas e saudosas. Cristo fechou-lhe os olhos e juntamente com a Virgem Maria chorou pelo seu trânsito. Maria Santíssima amortalhou-o com assistência dos Anjos e acompanhou-o à sepultura. Desceu a alma do Santo ao Limbo com o caráter de Precursor de Cristo aos Santos Padres. Depois ressuscitou com o Senhor e apareceu à sua Esposa Maria Santíssima para a consolar das aflições. O Senhor levou-o ao céu em corpo e alma em sua gloriosa Ascensão. Goza na Glória um lugar muito distinto dos mais Santos. Nela excede aos Apóstolos, e ainda a São João Batista. Está no Céu coroado com doze estrelas, à imitação de sua Esposa, Rainha dos Anjos. Foi o primeiro Justo canonizado pelo Espírito Santo. Os seus predicados são tão relevantes, que bem podia ser venerado em todas as hierarquias dos Santos com especiais auréolas. Deve ser venerado com adoração de proto-dulia.

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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado - Livraria Francisco Alves, 1927

Jaculatórias a São José


Dai-me São José, inteira confiança na vossa poderosa intercessão. Ao vosso serviço me consagro para sempre, ó São José.
São José, pela obediência que Jesus vos prestou, tornai-me obediente a todas as vontades de Deus.
São José, que sois tão grande, e ao mesmo tempo tão humilde, obtende-me a verdadeira humildade.
São José, salvai-nos. Nossa salvação está em vossas mãos.
São José, sede sempre nosso pai e concedei-nos a graça de sermos verdadeiros filhos vossos.
São José, penetrai nossos corações de contrição e tornai-nos mais sensíveis às amabilidades de Jesus.
São José, quero ser todo vosso, para preservar, por meio de vós, todo de Jesus e Maria.
São José, lírio brilhante de castidade, conservai em nós esta virtude dos anjos.
São José, aumentai a minha devoção à Maria.
São José, inflamai-nos no amor de Jesus.
São José, obtende-me um grande espírito de oração.
São José, poderoso protetor de nossas almas, livrai-me de todo pecado.
São José, sede minha defesa nas tentações e a minha força nas adversidades.
Dai-me, São José, a graça de vencer as paixões e ter horror ao pecado.
São José, socorrei-me em todas as necessidades.
São José, rogai sempre para mim, a perseverança em bem orar.
São José, consolador das almas aflitas, a vós recorro em todas as minhas aflições.
São José, assisti-me em minha agonia.
São José, fazei que vos invoque sempre cheio de confiança.
São José, fazei que eu ame a Jesus como Ele quer ser amado por mim.
São José, fazei que eu morra, como vós, nos braços de Jesus e Maria.
São José, mostrai que sois meu pai.
São José, tenho confiança em vós, defendei-me, guardai-me.
São José, tornai cada vez mais conhecido o poder de vossa proteção eficacíssima.
Bendito sejais, São José, pelo amor com que sois amado por vosso Deus e Senhor.
Amabilíssimo São José, a cada respiração minha, cresça em mim o vosso amor.
São José, mostrai sempre e em toda parte que sois meu pai.
São José, fazei que eu vos ame cada vez mais.

30 de Março - Mês Dedicado à São José

São José, a Igreja e as Almas


São José, pai da Igreja e das Almas
            A divina casa que São José governou com autoridade de pai continha as primícias da Igreja nascente. Da mesma forma que a Santíssima Virgem é mãe de Jesus Cristo, Ela é mãe de todos os cristãos que adotou no monte Calvário, em meio dos supremos sofrimentos do Redentor; e Jesus Cristo é como o primogênito dos cristãos, que, por adoção e redenção, são seus irmãos.
            “Sobre esta grande multidão de cristãos, que compõem a Igreja, sobre esta imensa família espalhada por toda a terra, José, por ser esposo de Maria e pai de Jesus Cristo, possui uma autoridade paterna” (Leão XIII, Encíclica Luamquam plurie).
            Esta origem do patronato de São José nos deve torná-lo caro e venerável. São José, por suas ligações com Jesus e Maria é, por direito divino, o Patrono universal da Igreja e Patrono particular de cada um de nós. E os decretos dos Soberanos Pontífices não fazem mais que declarar o que ele é, proclamando-o Patrono da Igreja Católica.
            Eis porque esse patrocínio, mil vezes bendito, se manifesta, pelo incomparável poder de que dispõe, pela universalidade das graças que pode obter, pela sua influência no céu, na terra e no purgatório, superior ao patrocínio de todos os Santos e de todos os Anjos; suas raízes mergulham na ordem hipostática, é uma manifestação magnífica das prerrogativas de São José na Santa Família.
            Assim, pois, devemos ter confiança completa em seu patrocínio, quer quanto ao que diz respeito à Igreja, quer quanto a nós. Esse patrocínio é universal, para toda a Igreja, e particular para cada um de nós.

São José, protetor e defensor da Igreja e de cada Alma
            São José salvou a vida de Jesus. “Foi São José que preservou da morte o Menino ameaçado pelo ódio de um rei, procurando para ele o refúgio” (Leão XIII).
            E Deus quer que essa proteção e defesa paterna sejam a origem, o penhor, a inauguração de seu ministério paterno no curso dos séculos. “Como cercara santamente a Família de Nazaré com sua proteção, cobre agora com seu celeste patrocínio e defende a Igreja de Jesus Cristo” (Leão XIII).
            Nos perigos que ameaçam sempre a Igreja militante e a cada um de nós, tenhamos confiança no patrocínio de São José, a quem devemos recorrer em nossas orações quotidianas.

São José, pai nutrício da Igreja e de cada Alma

            Pai nutrício de Jesus, São José é, por isso, Pai nutrício da Igreja e de cada alma.
            José no Egito forneceu trigo ao povo judaico, e São José nos preparou o pão celeste. Por vontade de Deus, foi graças a ele que nossa nutrição principal pôde descer do céu. Foi graças a ele que o Verbo se fez homem por uma conceição virginal, cresceu e se preparou para a imolação que o havia de triturar por nossas almas, como o trigo é triturado para alimento dos nossos corpos. O Pão divino começou a ser imolado sob os olhos de São José, na companhia dele, pela pobreza, trabalho, sacrifício... Sobre a Cruz foi somente a consumação das imolações de Nazaré e de Belém.
            Na Igreja, esta casa de Deus, inaugurada na casa de Nazaré, há outros socorros dos quais a nossa vida tem necessidade, tais como os Sacramentos. A São José devemos pedir a recepção digna desses Sacramentos.
            Ainda mais, é de São José que esperamos esta nutrição tão necessária, que se chama a doutrina cristã – a qual por intercessão de São José pedimos que seja muito abundante e proveitosa e que nosso apostolado seja por ele abençoado.

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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado. Livraria Francisco Alves. 1927.


30 de Março - Mês Dedicado à São José

São José como intercessor


            Grande deve ser, no Céu, o poder de São José sobre os elementos materiais que pode impedir nos sejam nocivos ou fazer que nos sejam úteis; sobre os demônios, neutralizando seu ódio e desmanchando seus embustes e perfídias; sobre os bons Anjos que pode enviar para nos socorrer.

            Mas, acima de tudo, tem ele o poder da oração, como pai de Jesus e esposo de Maria Santíssima, e esse poder é geral para todas as nossas necessidades e não particular, como é atribuído aos demais santos.

            “Invocam-se os santos, diz São Francisco de Salles, para necessidades particulares, como se as graças e o dom dos milagres fossem partilhados entre eles e cada um tivesse uma parte limitada; mas São José tem o remédio geral para todas as necessidades do corpo e da alma, no crédito absoluto que tem junto de Nosso Senhor”.

            Todos esses pensamentos estão contidos na admirável oração a São José que legou Leão XIII:

            “Recorremos a vós em nossa tribulação, ó bem-aventurado José, e, depois de ter implorado o socorro de vossa santa Esposa, solicitamos, com confiança, vosso patrocínio. Pela afeição que vos uniu à Virgem Imaculada, Mãe de Deus, e pelo amor paterno de que cercastes Jesus Cristo, vos suplicamos que olheis, com bondade, para a herança que Jesus Cristo conquistou com seu sangue e que nos assistais com vosso poderoso socorro em todas as nossas necessidades.
            Protegei, ó sábio Guarda da divina Família, a raça eleita de Jesus Cristo; preservai-nos, ó pai amantíssimo, de toda manha de erro e de corrupção; sede-nos propício e assisti-nos do alto do céu, ó nosso poderoso libertador, no combate em que estamos empenhados com o poder das trevas; e, do mesmo modo que livrastes, outrora, o Menino Jesus do perigo da morte, defendei hoje a Igreja de Deus dos embustes do inimigo e de toda a adversidade. Concedei-nos vossa perpétua proteção, afim de que, com vosso exemplo e por vosso socorro, possamos viver santamente, piedosamente morrer e obter a beatitude eterna do céu. Assim seja.”

            São José é, ainda, mais que intercessor, é nosso corredentor. O título de esposo de Maria, Mãe dum Deus Redentor, dá a São José o título de corredentor, tomando, aliás, esta palavra em sentido essencialmente diferente do sentido que tem com relação a Maria Corredentora. Quer isso dizer que São José foi, com efeito, associado como causa, ou ao menos como condição indispensável com relação ao plano divino da Encarnação Redentora; e isso não se pode dizer de nenhum outro santo.

            Os outros santos estão depois da ordem hipostática, ou amo menos fora dela. Eles tem com relação a ela, cada um tomado a parte, uma função super-rogatória.

            O Verbo não quis se encarnar para nos resgatar sem a coparticipação de São José.

            Não queremos terminar estas considerações sem repetir o que escreveu Santa Tereza, em que, para propagar a devoção a São José, vale por tudo o que temos dito:

            “Tomo por advogado e protetor a São José, e recomendo-me instantemente a ele. Seu socorro manifestou-se do modo mais visível. Esse terno pai de minha alma, esse amado protetor, apressou-se em me tirar do estado em que desfalecia meu corpo, bem como me livrou de perigos maiores de outro gênero, que ameaçavam minha honra e minha salvação eterna. Para cúmulo de felicidade, tem-me sempre ouvido além de minhas preces e de minhas esperanças. Não me lembro de lhe ter pedido, até este dia, coisa alguma, que me não tenha concedido.

            O Altíssimo dá somente graça aos demais santos para nos socorrer em tal ou qual necessidade; mas o glorioso São José, eu o sei por experiência, estende seu poder a tudo. Nosso Senhor quer nos fazer entender por aí, que, assim como ele lhe foi submisso na terra do exílio, reconhecendo nele a autoridade dum pai adotivo e dum governador, igualmente se apraz ainda em fazer sua vontade no céu, ouvindo todos seus pedidos...

            Conhecendo hoje, por uma tão longa experiência, o admirável crédito de São José junto de Deus, quereria persuadir todo o mundo a honrá-lo com um culto particular.

            As pessoas, dadas à oração, deveriam principalmente sempre amá-lo com uma filial ternura... Quem não encontrar quem lhe ensine a orar, escolha este admirável santo por mestre...” (Vida de Santa Tereza, escrita por ela mesma).

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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado - Livraria Francisco Alves, 1927
  

29 de Março - Mês Dedicado à São José

São José, pai e educador

FONTE
            O Filho de Deus quis ser criado e educado por São José. Que sublime missão! Vossos exemplos e lições admiráveis, desnecessários aliás para o Menino Jesus, que tinha as Virtudes e os Dons do Espírito Santo desde o primeiro instante, sirvam para nós de modelo.

            Em todas as condições de tempo e de lugar, encontramos em São José o modelo mais perfeito: o modelo de vida interior, da contemplação, que transforma a vida pela prática das virtudes; o modelo da vida exterior nas santas viagens, nos trabalhos; o modelo das santas alegrias, das cruzes aceitas e suportadas, em união com Jesus, encontramos nele que é “a Consolação dos desgraçados”; o modelo da fé mais singela e firme encontramos nele que é “fidelíssimo”; o modelo da mais completa confiança em Deus e do mais perfeito abandono; o modelo da caridade mais desinteressada, de esquecimento completo de si mesmo, da dedicação a toda prova; o modelo da coragem nas dores encontramos nele que é o “Espelho da paciência”; o modelo de uma pureza digna da Virgem das virgens e do Santo dos santos encontramos nele que é o “Guarda das virgens”; o modelo da humildade mais profunda; o modelo das virtudes familiares, encontramos nele que é a “Glória da vida da família” e o “sustentáculo das famílias”; o modelo da elevação e da dignidade santas na nobreza; o modelo da resignação em trabalhos rudes encontramos nele que é o “modelo dos operários”; o modelo da vida a mais santa na desgraça encontramos nele que é o “Consolador dos desgraçados”; o modelo da melhor morte encontramos nele que é a “Esperança dos enfermos”, o “Patrono dos moribundos”. Os pais de família encontram em São José a mais bela personificação da vigilância e da solicitude paternas; os esposos, um perfeito exemplo de amor, de concórdia e de fidelidade conjugal; as virgens têm nele ao mesmo tempo o modelo, e o protetor da integridade virginal. Os nobres de nascimento aprendem de José a guardar, até o infortúnio, sua dignidade; os ricos aprendem, em suas lições, quais são os bens que devem desejar e adquirir a custa de toso seus esforços. Quanto aos proletários, aos operários, as pessoas de condição mediana, têm eles um direito especial de recorrer a José e procurar imitá-lo.

            São José, com efeito, de raça real, unido pelo casamento à maior e mais santa das mulheres, considerado como o pai do Filho de Deus, passa sua vida a trabalhar e tira de seu trabalho de artista o necessário par manter sua família.

            “É, pois, um fato que a condição dos humildes nada tem de abjeto, e não somente o trabalho do artista não desonra, mas pode, se si alia à virtude, ser muito enobrecido. José, satisfeito com o pouco que possuía, suportou as dificuldades inerentes a essa mediocridade de fortuna com grandeza d’alma, à imitação de seu Filho, que, depois de ter aceito a posição de escravo, sendo Senhor de todas as coisas, se sujeitou, voluntariamente, à indigência e à falta de tudo” (Leão XIII).

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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado - Livraria Francisco Alves, 1927

28 de Março - Mês Dedicado a São José

Da glória que o Bem-aventurado São José goza no Céu entre os mais santos

FONTE

            É opinião aceitável e recebida com aplauso da maior parte dos Autores, que o felicíssimo São José está no Céu em corpo e alma junto de sua amada Esposa Maria Santíssima em trono à esquerda de Jesus Cristo, pertencendo o da direita à Sua Santíssima Mãe. A razão substancial é, porque, como diz Santo Antônio, todos os Santos, na Jerusalém celeste e triunfante, se hão de colocar em suas ordens e hierarquias, de modo que nenhum deles esteja solitário.

            Conforme esta suposição, é conveniente que a soberana Rainha dos Anjos tenha na sua hierarquia quem a acompanhe; e não podendo ser a humanidade de Cristo, por estar colocada no trono da Divindade, é justo que seja a amável companhia de São José, porque só a ele, como Esposo seu e estimado Pai de Cristo, lhe compete este lugar entre todos os Anjos e Santos, nenhum dos quais o excedeu em dignidade, só à puríssima Virgem semelhante.

            Assim como a humanidade de Cristo Senhor nosso obteve mais abundante graça e glória, por estar mais chegada e imediata ao Verbo Divino, e depois Maria Santíssima, por estar mais próxima a seu Filho, da mesma sorte se julga, prudentemente, que o felicíssimo São José alcançou o terceiro lugar na abundância da graça, porque, depois da Virgem, foi o que esteve mais junto a Cristo, o que o tratou com mais familiaridade e teve com ele uma singularíssima união por muitos anos, além do singular parentesco, pois foi seu pai não só legítimo e próprio, mas Esposo verdadeiro de sua Mãe imaculada.

            Este lugar tão distinto e especial, que o nosso Santo ocupa na glória, lhe é tão próprio, que não pode competir a nenhum dos outros Bem-aventurados, ainda que sejam dos que gozaram das primícias do Espírito Santo, quais foram os Apóstolos, porque são tão singulares os títulos e predicados de São José, e a sua dignidade é de ordem tão elevada que não podem os outros entrar em paralelo, e assim excede a todos os demais Santos.

            A razão de tudo está em ser o ministério de São José comparado ao dos Apóstolos, constituído em classe separada, isto é, na ordem hipostática, ou concernente ao grande Mistério da Encarnação do Verbo Divino, que neste sentido excede a tudo.

            Funda-se mais esta superioridade da glória de São José na resposta, com que Jesus Cristo negou as duas cadeiras no Reino Celeste, que a mulher de Zebedeu lhe pedia para o seus dois filhos João e Tiago, porque já estavam destinadas pelo Pai Eterno para Maria Santíssima e para São José, uma à mão direita, outra à mão esquerda do Verbo Divino.

            Este excesso e vantagem, que Maria Santíssima e São José fazem aos outros Santos na glória, quis também dar a entender o Evangelista São Mateus no capítulo I, do seu Evangelho; porque piamente se pode crer, ou opinar que, pela mesma ordem, com que o Evangelista nomeia na terra estas três augustíssimas Pessoas – Jesus, Maria e José –, essa mesma guardam e observam na Bem-aventurança; donde o Doutor exímio disse bem que, ainda que não havia estado no Céu para ver a cadeira que ocupava gloriosamente São José, inferia, com graves fundamentos, que o lugar que tinha era tão superior, que dominava ao dos Apóstolos e mais Santos.

            A maior dificuldade, que neste pondo se encontra, é, se este excesso de glória, com que o nosso Santo supera os Apóstolos, se deva entender também com o grande Batista, Precursor de Cristo, e por ele canonizado pelo maior entre os nascidos de mulher, e de quem há tão frequentes louvores na Escritura e Santos Padres. São José alcançou mais perfeita graça que o Batista, pois teve mais excelente ministério, maior dignidade e ocasiões mais oportunas e frequentes para aumentar a mesma graça e amor a Deus.

            É certo que o verdadeiro conhecimento destas honras e distintas glórias que os Santos gozam no Céu em prêmio dos seus merecimentos e virtudes, só a Deus pertence, e que nos devemos abster destes paralelos; porém, com ânimo cheio de devoção e piedade, podemos supor sem temeridade, que, depois de Maria Santíssima, não há, no Céu, Santo que esteja mais próximo de Jesus Cristo nos graus da glória que o Bem-aventurado São José, donde o insigne Escobar proferiu esta proposição: José não é Deus, nem é Anjo; mas eu o vejo tão separado e distinto de todos os mais Santos, que constitui na Glória com sua amantíssima Esposa um coro muito especial.

            Daqui procede a distinta e profunda reverência, que todos os Bem-aventurados, na Corte Celeste, tributam ao glorioso São José. De sorte que, por todos estes fundamentos e razões, compete mais ao nosso Santo um resplendor singular, que, como insígnia de sua admirável dignidade, o distinga entre os outros Celestiais Cortesãos; e este é uma coroa de doze estrelas correspondentes a outras tantas prerrogativas, que engrandecem sua glória, para que, da mesma sorte que sua imaculada Esposa Maria Santíssima está no Reino da feliz eternidade coroada de doze estrelas, como Rainha dos Céus e dos Anjos, esteja também o Esposo pelo mesmo título analogicamente coroado com outras tantas brilhantes estrelas e excelências, para se verificar nele o vaticínio do Profeta Isaías.

            A primeira estrela ou excelência que se vê brilhar na coroa de São José, é a dignidade real semelhante à de sua Esposa, com quem se deve conformar em tudo que for possível. A segunda estrela é a excelência de sua digníssima eleição de pai reputado de Jesus Cristo e Esposo verdadeiro de sua Mãe. A terceira é o grande título, que o Evangelho lhe dá de Justo, que compreende em si todas as virtudes da perfeição. A quarta é a excelência de sua integridade e virginal pureza. A quinta é o amor singularíssimo, que lhe teve Maria Santíssima, sua Esposa, a sexta é o privilégio da íntima conversação e sociedade, que teve com sua Divina Esposa pelo espaço de trinta anos.

            A sétima estrela da coroa do glorioso São José é a felicidade de haver ocupado sua existência com Jesus e sua Santíssima Mãe. A oitava são as incomparáveis honras, que recebeu nesta vida de Jesus e Maria. A nona é a inefável consolação, que teve com a presença do Redentor enquanto viveu. A décima é o muito que foi estimado de sua amantíssima Esposa. A undécima é a união perfeita e mística, que teve com Deus pela Fé, pela contemplação e caridade. A duodécima é a parte que em sua alma teve toda a Santíssima Trindade.

            De todas estas doze brilhantes estrelas é composta a preciosíssima coroa de São José, a qual guarnecem também outras muitas resplandecentes prerrogativas, que são outros tantos júbilos de glória acidental, que o nosso Santo goza na Bem-aventurança, e com que se aumenta o resplendor formosíssimo da sua glória tão distinta entre os mais Cortesãos daquela Celestial Jerusalém. 

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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado. Livraria Francisco Alves. 1927.

27 de Março - Mês Dedicado a São José

Desce a alma de São José ao Limbo: ressuscita gloriosamente com Cristo, e com ele sobre ao Céu em corpo e alma


            Honrando Cristo Senhor nosso, de muitos modos, em vida, a seu estimado Pai, continuou a honrá-lo também depois de morto, mandando logo aos Arcanjos São Miguel e Gabriel que conduzissem sua alma em companhia de muitos Coros de Anjos para o repouso do Limbo ou Seio de Abraão, onde esperavam as almas dos Patriarcas, Reis, Profetas e mais Justos pela redenção do gênero humano. Ali entrou o Bem-aventurado José com o especial caráter de legado e como precursor de Jesus Cristo, para os consolar e animar de novo suas esperanças.

            Que alegres festas fariam, contempla um Varão pio e douto, à puríssima alma de São José aqueles Santos Padres, que ali estavam, sabendo dos Anjos quem ele era, as dignidades e prerrogativas, que no mundo lograra? Como o cercariam todos, e lhe diriam contentes: Oh alma venturosa de tão ditoso corpo, cujos olhos mereceram ver e gozar o que nós há tanto tempo suspiramos; informai-nos, alma felicíssima, da vinda do Messias ao mundo e de suas perfeições e excelências. Dizei-nos se está já chegado o prazo e o fim deste nosso tão dilatado desterro. De tudo lhe daria o Santo Patriarca mui plena e exata informação.

            Nesta feliz menção sentia a alma de São José a ausência de Cristo, e tanto mais quanto amava a Jesus mais que todos; passando o tempo em contínuas súplicas, orando ao Céu que viesse o Senhor tirá-lo daquelas prisões, em que estava, até que o Redentor do mundo concluindo a redenção do gênero humano, triunfou da morte, e desceu glorioso ao Limbo, como Rei soberano e vitorioso.

            É crível que o Senhor depois que todos o adoraram, e ele abraçou a todos, tratasse a São José seu estimado Pai, com maior carinho e atenção. Ao entender do iluminado espírito de São Francisco de Salles, falaria assim a Cristo o venturoso São José: “Senhor, e Redentor meu, lembrai-vos, se é do vosso agrado, que, quando baixastes do Céu à terra, vos recebi em minha casa e em minha família, e que, depois que nascestes, vos recebi entre os meus  braços; agora que haveis de subir ao Céu, levai-me convosco. Eu vos recebi na minha família, recebei-me agora na vossa; e como eu tive cuidado de alimentar-vos, enquanto durou a vida mortal, cuidai agora de mim e conduzi-me à vida eterna”.

            Assim o fez o Senhor como Filho amantíssimo e agradecido, ressuscitando-o juntamente no dia da sua prodigiosa Ressurreição, em corpo glorioso. Diz o Evangelista São Mateus, no capítulo 27, que ressuscitaram como Jesus Cristo muitos corpos de Santos, os quais, levantando-se e saindo de suas sepulturas depois de Cristo ressuscitado, vieram à Santa Cidade de Jerusalém e apareceram a muitos; e, entre estes que ressuscitaram, não há outro, que com mais razão pudesse gozar deste privilégio que o glorioso São José.

            A razão é persuasiva; porque, sendo o fim deste prodígio testemunhar aos de Jerusalém que Jesus Cristo havia ressuscitado verdadeiramente, é crível que fossem aqueles justos, que pouco tempo antes tivessem falecido e fossem conhecidos em Jerusalém, e ninguém melhor que São José, o qual, na Cidade e em seus contornos se tinha feito conhecido de todos e era reputado por Pai de Jesus. Também é muito verossímil que os Justos, que ressuscitaram, fossem aqueles, que tinham maior conexão com Cristo ou por parentesco, ou por virtudes, e em nenhum outro se achavam mais unidas estas condições, que no gloriosíssimo Patriarca São José.

            É tradição da Igreja, recebida e celebrada por todos ou fiéis e Doutores sem controvérsia, que a primeira pessoa, a quem Cristo pareceu ressuscitado e glorioso, foi a sua Mãe Santíssima; porque, segundo a regra do Apóstolo, assim como tinha sido a primeira nas dores, o fosse também nas consolações; e, como na companhia do Senhor vinha São José, como piamente cremos, é indubitável que na Virgem seriam iguais os júbilos com a vista alegre do Filho e do Esposo ressuscitado. Então podemos dizer que também ressuscitará o esposo da Virgem Maria, assim como de Jacó diz a Escritura que ressuscitara, quando soube ser vivo seu filho José, que tinha chorado como morto.

            Nenhum Santo há que se atreva a declarar os extremos de alegria e gozo inefável, com que a cheia de graça foi também cheia de glória nestes dias de seu maior júbilo, dando e recebendo parabéns da Ressurreição do Filho e do Esposo. O Filho, para consolar inteiramente a Mãe do trabalhos passados com a glória presente, lhe diria que já era tempo de primavera festiva e alegre, que já nasciam e renasciam flores do mesmo sepulcro, trocando-se as suas chagas em lírios vistosos; e, entre as belas flores do ameno jardim de Nazaré resplandecentes e formosas, lhe mostraria o Senhor, em traje de jardineiro, a açucena cândida de seu felicíssimo Esposo, o sempre Virgem São José.

            Acrescenta São Bernardino de Sena, dizendo que Cristo Senhor nosso levara consigo ressuscitado a São José, cheio de grande glória, para que aliviasse a pena de sua Esposa Maria Santíssima, e que lho mostrara entre todos os Santos Padres com um especialíssimo diadema de ouro na cabeça em forma de Cruz, significando assim como era superior aos mais Santos, como o ouro aos outros metais.

             Não é pequena a controvérsia e mui debatida entre antigos e modernos sobre a natureza dos Justos, que ressuscitaram com Cristo, se foi no estado de vida mortal, como sucedeu a Lázaro, ou no de vida gloriosa para nunca mais morrer. De certo nada está decidido, e a respeito há duas opiniões. A primeira afirma que aqueles Santos ressuscitaram por pouco tempo, e para tornarem outra vez a morrer. Seguem-na Santo Agostinho, São Tomás.

            A segunda opinião, porém, é que aquela ressurreição dos Justos fora para vida imortal e gloriosa, e pela qual militam muitos Doutores. A razão é, porque de outra maneira ficariam aqueles Bem-aventurados em pior condição, do que quando estavam no escuro cárcere do Limbo, se ficassem na vida terrestre para morrerem outra vez. Das mesmas palavras do Evangelista, que diz apareceram a muitos esses Santos ressuscitados, e não a todos, se infere que eles tinham corpos glorificados, em cujo poder estava manifestar-se, ou ocultar-se, quando e como queriam, para confirmar a evidência da Ressurreição de Cristo.

            E, como este Senhor dizia que as suas delícias era estar com os filhos dos homens, é de crer, diz o grande Suares, que tivesse deles alguns companheiros de sua glória em corpo e alma, para que, assim como se manifesta a Divina Justiça havendo no Inferno alguns homens em corpo e alma, antes de geral ressurreição dos condenados, como Dathan e Abiron, Levitas sediciosos, assim convinha que, para demonstração da Divina misericórdia e Redenção copiosíssima de Jesus Cristo, recebesse no Céu alguns Justos glorificados em corpo e alma, antes da ressurreição universal dos Bem-aventurados.

            Assim sendo, faz-se crível que o Senhor, no dia da sua admirável Ascensão, levasse consigo para a Jerusalém Celeste o glorioso São José em corpo e alma, para gozar dos prêmios inefáveis da Bem-aventurança. Pregando isto em Pádua, São Bernardino de Sena, diz André de Soto que, quando o Santo discorria sobre o assunto, viu o auditório resplandecer sobre a cabeça do Santo um Cruz de ouro; e acrescenta Carthagena que nenhuma dificuldade tem em dar crédito a este prodígio, pois que o mesmo Santo dissera as seguintes palavras:

            “Piamente se há de crer que o piedosíssimo Filho de Deus honrasse com semelhante privilégio a seu Pai virginal, assim como honrou a sua Santíssima Mãe; e, assim como levou a Virgem gloriosa para o Céu em corpo e alma, assim também no dia, em que ressuscitou, levou consigo o Santíssimo José gloriosamente ressuscitado, para que, da mesma sorte que os membros da Sacra Família, Jesus, Maria e José viveram juntos na terra em vida trabalhosa e em união de graça, assim em amorosa glória reinem no Céu e corpo e alma; ou, como diz Riquelio, para que assim como há no Céu uma Santíssima Trindade de Pessoas na natureza Divina, Pai, Filho e Espírito Santo, houvesse também na terra outra adorável Trindade de Pessoas, a saber: Jesus, Maria, José”.

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 A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado - Livraria Francisco Alves, 1927

26 de Março - Mês Dedicado a São José

Da Felicíssima Morte do Glorioso Patriarca São José


                Não consta da Escritura quando falecera o venturoso São José.
            A opinião mais provável é dos que dizem que o Bem-aventurado São José falecera antes da Paixão de Cristo, e antes das Bodas de Caná da Galileia, não só porque nessa ocasião, havendo motivo, os Evangelistas já não falaram nele, mas porque, como desse tempo por diante começou Jesus Cristo a estabelecer e seguir outro modo de vida mais próprio para se manifestar não como Filho de São José, mas como verdadeiro Deus e Homem, e Redentor do mundo, cessava o fim do ministério de São José. Até ali quis o Senhor honrá-lo com o título tão glorioso, como era o de seu Pai, e gozar de sua companhia e da sombra, que faz um pai amoroso a um filho obediente.
            Chegando, pois, o tempo, em que Jesus Cristo quis dar a conhecer ao mundo que era o Messias prometido e promulgar a Lei Evangélica, e justamente evitar que seu pai legal visse com seus olhos as afrontas, que ele havia de padecer na sua Paixão, quis pô-lo em salvo, abreviando-lhe a vida, favor especial, fundado em piedade e amor. De sorte que o argumento de Santo Epifanio, em que mostra ser já falecido São José, quando Cristo padeceu, é racionável e convence, pois o Senhor não deixaria entregue e recomendada a Virgem a São João Evangelista, se estivesse ainda vivo seu amantíssimo Esposo São José.
            Em que idade falecesse, também não é uniforme o parecer de todos.
            O mais provável é que fosse aos setenta anos, porque o glorioso Santo esteve desposado com a Virgem trinta anos e a desposou com quarenta. O dia fixo e determinado da sua bem-aventurada morte padece igual incerteza, julgando a maior número que fosse em 19 de março.
            Quanto ao lugar, onde faleceu, parece ter sido Nazaré, donde depois se transladara seu corpo para o vale de Josafat.
            Somos propensos a crer que São José morresse set ter sofrido moléstia alguma. Porque, se Jesus Cristo Senhor não teve enfermidade alguma pela perfeita harmonia de sua individual natureza, e o mesmo a soberana Senhora, ou já pela igualdade e equilíbrio do seu admirável temperamento, ou por especial privilégio, para que havemos de tirar esta prerrogativa ao nosso ditosíssimo Santo, a quem os seus grandes merecimentos lhe granjearam as mais singulares graças e privilégios?
            Adquire maior força este parecer com a tradição, que havia entre os Católicos Orientais: “Envelheceu José, e chegou aos últimos dias da sua vida, porém seu corpo não estava debilitado em forças; conservava nos olhos a sua vista perfeita, e na boca todos os seus dentes. Em tanta idade tinha ainda todo o seu vigor, e tão robusto se considerava em seus membros sendo velho, como quando era moço. Chegou-lhe, enfim, o dia da morte, e, aparecendo-lhe o Anjo do Senhor, que era o seu mesmo Anjo da guarda, disse-lhe que cedo partiria deste mundo, e a sua alma iria, alegre, acompanhar os Santos Padres do Limbo. Caiu logo enfermo na cama, e, agravando-se-lhe a moléstia, lhe chegou a hora da morte”.
            A verdadeira enfermidade, de que morrera São José, fora a veemência do amor.
            O memorável Gerson chamou à morte de São José morte alegre, e só pode ser alegre e preciosa aquela morte, quando o amor tira a vida. É bem verdade que os Sagrados Intérpretes da Escritura não declaram de que gênero de morte falecera São José; cremos, porém, que o Santo acabara os seus dias pelo incêndio do amor, que lhe derreteu o coração, e que, à maneira de Elias abrasado em vivas chamas do amor Divino, fora arrebatado para o outro mundo.
            Não é para desprezar outra razão de congruência, porque menor graça é morrer à eficácia do amor intenso de Deus, do que ser predestinado para o ministério da união hipostática. Nós vemos que o felicíssimo São José ainda sem o aumento de graça, que depois teve, foi escolhido para Esposo da Virgem, e ministro daquela inefável união: logo parece que lhe devemos considerar, no fim da vida, a graça e o privilégio de morrer abrasado em amor de Deus, e ser este a causa, que o privou dos alentos vitais.
            Deve-se crer, piamente, que na morte de São José estivessem presentes Jesus Cristo e Maria Santíssima, sua Esposa. E com esta bem-aventurada assistência, que ilustrações, confortos, e esperanças da eterna felicidade não receberia São José de sua Santíssima Esposa e seu amado Filho!
            Bastava a presença, ou só de Cristo, ou só de Maria Santíssima para beatificar a morte de São José; e que faria nesta última hora a adorável assistência de ambos? É para admirar como pudera São José expirar, assistindo-lhe o Pai e a Mãe do Autor da mesma vida. A Virgem Maria com a sua Santíssima presença infundia elementos de vida a seu amantíssimo Esposo, e, por isso, a morte não se atrevia a chegar-se a sua cabeceira. No peito de São José, lutavam neste último transe as forças de duas vontades, a de não se apartar de Jesus e de Maria, e a de obedecer ao Divino beneplácito; e, porque toda a sua vida foi conformar-se com a vontade Divina, entendendo estar chegando aos seus dias o último período, cedeu às disposições do Altíssimo.
            Foi conveniente que a alma de São José se desatasse das prisões do corpo, para que não imaginasse o mundo que era mais que homem e de nenhuma sorte sujeito às leis da condição humana, caduca e mortal, o Pai virginal de Cristo, o Esposo verdadeiro da Mãe de Deus, o familiar dos Anjos, o Secretário dos Mistérios do Onipotente, e o primeiro Ministro econômico do Unigênito do Pai Eterno.
            Essa santíssima e respeitosa preferência de Jesus e da Virgem Maria causaram ao venturoso São José o singular privilégio, a poucos até agora concedido, que foi o não sentir, naquele último dos assaltos do demônio, nem o aspecto da sua vista horrorosa.
            Como seriam cheias de ternura e saudades aquelas últimas palavras, com que São José se despediria de Cristo e de sua Esposa! Dai-me vossos braços, Filho amado (diria São José ao Redentor do mundo), e, ainda que é ofício do Pai dar a benção, agora sou eu quem a peço, para que, amparado dela, não ofendam as fúrias do Inferno, e possa dormir descansado na vossa paz o sono da morte. Sinto muito ausentar-me de vós; morro, porém, contente, não só porque entendo ser disposição inevitável do Altíssimo, mas porque deixo já no mundo o tesouro infinito do seu remédio, com que se há de remir a culpa do primeiro homem. Naquelas antigas trevas esperarei a brilhante luz da vossa glória, e darei, entretanto, alegres novas aos Santos, que ali vos esperam, pois ordenais que eu vá adiante anunciar-lhe tão grande dita.
            E vós, Esposa minha muito amada, espelho de pureza, ficai-vos com Deus, que eu me vou para não vos tornar a ver mais nesta carne mortal. Muito vos devo, pois de todas as minhas felicidades fostes a causa e a intercessora, e assim será grande a minha glória, quando vos ver coroada Rainha do Céus. Ainda que vos falte desde hoje a minha companhia, ficais muito bem acompanhada, pois fica convosco o Filho de Deus como vosso verdadeiro e fiel amparo.
            Estas últimas e saudosas palavras de São José é crível que não ficariam sem agradecida resposta do Filho e da Esposa, e assim dando os últimos alentos no ósculo do Senhor, espirou São José felizmente nos braços de Jesus e de Maria Santíssima. Foi, na verdade, correspondência digna de amor de Cristo que nos seus braços morresse São José, pois que nos de São José viveu sempre Jesus Cristo.
            O Senhor lhe fechara os olhos depois que espirar, e juntamente com a Virgem choraram a morte do Santo; porque se Cristo, Bem nosso, chorou por ver a Lázaro morto, quanto mais piedosa causa era chorar a morte de São José, seu estimado Pai, acompanhado com suas lágrimas as que também por ele derramaria a Virgem, sua Esposa.
            Foram as lágrimas de Jesus e da Virgem Maria para o cadáver de São José mais precioso bálsamo, que aquele, com que se ungem os corpos dos Reis Soberanos; porque ainda que seja puro e excelente, com o tempo enfim se corrompe; porém com as lágrimas tão preciosíssimas de Cristo e da Virgem ficou incorrupto o adorável corpo do Santo, permanecendo intacto, até que, reunida nele a alma na Ascensão do Senhor, se vestia da eterna incorruptibilidade no Céu.
            Vendo a Virgem Maria a seu Esposo defunto, preparou seu corpo para a sepultura, e o vestiu conforme o costume, não consentindo que chegassem a ele outras mãos mais que as suas, e as dos Santos Anjos, que a ajudaram a amortalhar. Logo, com a assistência e acompanhamento dos parentes, conhecidos e outros muitos, e com especialidade de Cristo e sua Beatíssima Mãe, com grande multidão de Anjos, foi levado o sagrado corpo de São José a sepultura.
            Recebeu a Virgem Maria pêsames e pôs insígnias de luto, como naquele tempo se usava trazer pelos defuntos, que era vestido preto em sinal de tristeza, fazendo todos os ofícios fúnebres, que a piedade e costume havia introduzido naquele povo, porque a Virgem, pela razão de Esposa e Cristo pela de Filho, reputado na opinião do mundo, não podiam deixar de cumprir estas obrigações sem a censura de seus vizinhos e parentes, sendo que, como Maria Santíssima sabia que a alma bem-aventurada de seu Santo Esposo não tinha coisa que purificar, por isso lhe não fizera sufrágios.
            O lugar, onde foi sepultado, dizem ser no vale de Josafat que fica entre os montes de Sião e das Oliveiras. Acha-se hoje dentro da suntuosa Igreja, que a Rainha Santa Helena mandou edificar no mesmo sítio, e chama-se o sepulcro da Virgem, por ser também ali sepultada Maria Santíssima. Desce-se a esta Igreja, que é subterrânea, por cinquenta degraus repartidos em vários tabuleiros, ou lanços espaçosos. Da parte esquerda para quem desce, vê-se embutida na parede, uma pequena Capela, que dizem ser o sepulcro de São José, diante da qual arde, de contínuo, uma lâmpada, de que têm cuidado os Religiosos de São Francisco, os quais mandam todos os dias do Convento de São Salvador de Jerusalém a um Religioso sacerdote dizer ali Missa, e o Acólito, por obrigação, incensa também o Altar do sepulcro do Santo. Assim parecia justo que ambos os Divinos Esposos participassem do mesmo digno depósito, e que um próprio relicário guardasse as mesmas relíquias, que haviam de ser juntamente colocadas no supremo santuário do Céu.

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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado. Livraria Francisco Alves, 1927

SERMÃO DO QUINTO DOMINGO DA QUARESMA ou DO DOMINGO DA PAIXÃO

 

Fontes Franciscanas
III
SANTO ANTÔNIO DE LISBOA
Volume I
Biografia e Sermões
Livro de 1998
Tradução: Frei Henrique Pinto Rema, OFM


Sermão do Quinto Domingo da Quaresma
ou
do Domingo da Paixão

SUMÁRIO
Evangelho no quinto domingo da Quaresma: Qual de vós me arguira de pecado? Divide-se em sete cláusulas.
Em primeiro lugar, um sermão aos pregadores ou prelados: Armai-vos de fortaleza, filhos de Benjamim.
1 - Um sermão acerca da Paixão de Cristo: Cristo, vindo como Pontíficie.
2 - Um sermão aqueles que ouvem e contra aqueles que não querem ouvir a palavra do Senhor: Levanta-te e desce; e: A quem falarei? e: E eis que eu farei cair.
3 - Um sermão sobre a guarda de Cristo a nosso respeito e sobre a sua paciência no meio das blasfêmias dos judeus: Que vês, tu, Jeremias? e: Ai de mim, minha mãe.
Um sermão sobre a glória e a ruína do primeiro pai: Uma oliveira fecunda.
4 - Um sermão sobre a mortificação do justo: foram dias de vida.
5- Um sermão acerca de Cristo glorificado: É o Pai quem me glorifica
6 - Um sermão para o Natal do Senhor: Naqueie dia sairá uma fonte da casa do Senhor.
Um sermão acerca dos quatro dotes do corpo glorioso: Ao terceiro dia ressuscitar-nos-á e acerca da propriedade do abutre e do grou.
7 - Um sermão contra os ingratos: Porventura lenho eu sido um deserto para Israel?

Exórdio. Sermão aos pregadores ou aos prelados

 1. Qual de vós me arguira de pecado? Se vos digo a verdade, porque não me credes1?
 Aos pregadores fala Jeremias2: Armai-vos de fortaleza, filhos de Benjamim, no meio de Jerusalém e fazei soar a trombeta em Técua e levantai o estandarte em Betacarém. Benjamim interpreta-se filho da direita3; Jerusalém, visão da paz4; Técua, trombeta5; Betacarém, casa estéril6. Armai-vos, portanto, de fortaleza e não temais, ó pregadores, filhos de Benjamim, isto é, da direita, ou seja, da vida eterna7, da qual se escreve nas Parábolas8:Na sua direita está uma larga vida. Armai-vos de fortaleza no meio de Jerusalém. Jerusalém é a Igreja militante, na qual há visão de paz, ou seja, a reconciliação do pecador9. E diz-se bem: no meio. O meio da Igreja é a caridade, que se estende ao amigo e ao inimigo. Para conseguir este meio deve o pregador armar de fortaleza os fiéis da Igreja. E fazei soar a trombeta da pregação em Técua, isto é, entre aqueles que, quando praticam alguma obra boa, como os hipócritas, tocam a trombeta diante de si10 – comprazem-se, como se diz no livro da Sabedoria11, em ter debaixo de si muitas nações –,para que, ao ouvir a trombeta, como diz Jeremias12, exclamem: Ai de nós, Senhor, porque pecamos. E em Betacarém, casa estéril daqueles que são áridos da umidade da graça, estéreis de boas obras, cuja terra, o entendimento, não recebe gota de sangue do corpo de Cristo13, levantai o estandarte da cruz, pregai a Paixão do Filho de Deus, porque chegou o tempo da Paixão, anunciai aos mortos que ressurjam na morte de Jesus Cristo, que afirma às turbas dos Judeus no Evangelho de hoje: Qual de vis me argüirá de pecado?

2.            Observa que neste Evangelho há sete pontos: Primeiro, a inocência de Jesus Cristo, ao dizer: Qual de vós me argüirá? Segundo, a atenta audição da sua palavra, ao juntar: Quem é de Deus ouve as palavras de Deusetc. Terceiro, a blasfêmia dos Judeus: Porventura não dizemos nós bem que tu és Samaritano e tens demônio?Quarto, a glória da vida eterna ao cumpridor da sua palavra: Em verdade, em verdade vos digo, se alguém guardar a minha palavra, não experimentará a morte eternamente. Quinto, a glorificação do Pai: É meu Pai quem me glorifica. Sexto, a alegria de Abraão: Abraão, vosso Pai, exultou ao ver o meu dia. Sétimo, a voluntária lapidação dos Judeus e a ocultação de Jesus Cristo: Pegaram em pedras para lhas atirarem etc14.

Nota ainda que neste domingo e no seguinte se lê Jeremias e se cantam os responsórios: Estes são os dias15, juntamente com os restantes, em que se não diz o Glória ao Pai.
 
I – A inocência de Jesus Cristo
 3. Assim fale o cordeiro inocente, que tirou o pecado do mundo16, que não pecou nem se encontrou engano na sua boca17, que tomou sobre si os pecados de muitos, como diz Isaías18, e intercedeu pelos pecadores.Qual de vós me arguira, isto é, acusará ou convencerá19, de pecado? Certo, ninguém. Como poderia alguém arguir de pecado quem viera perdoar os pecados e dar a vida eterna? Por isso, o Apóstolo refere na Epístola de hoje aos Hebreus20: Cristo intervém como pontífice dos bens futuros etc. Intervir significa ajudar ou obedecer. Cristo interveio, isto é, ajudou-nos21. Donde o Profeta22: Ajudou o pobre a sair da sua miséria. O gênero humano era pobre, porque espoliado dos dons gratuitos, vulnerado nos naturais23; estava sem o recurso e sem o auxílio de ninguém. Veio Cristo: assistiu-lhe, ajudou-o, quando lhe perdoou os pecados. Cristo também obedeceu a Deus Pai até à morte, e morte de cruz24. Nela ofereceu a Deus Pai, em reconciliação do gênero humano, não o sangue de bodes ou bezerros, mas o próprio sangue, para purificar a nossa consciência das obras mortas, para servir a Deus vivo25. Chama-se-lhe Pontífice dos bens futuros26. Pontífice é o que estabelece uma ponte27, para dar passagem aos viandantes28. Havia duas margens, a da mortalidade e a da imortalidade, entre as quais deslizava um rio intransponível, o rio das nossas iniqüidades e misérias. Delas escreve Isaías29: As vossas iniquidades abriram um abismo entre vós e o vosso Deus, e os vossos pecados esconderam de vós a sua face, para não vos ouvir.
 Veio, portanto, Cristo, como Pontífice; fez-se ponte que vai da margem da nossa mortalidade à margem da sua imortalidade. Por ele, como prancha de madeira lançada entre as duas margens, passaríamos a possuir os bens futuros. Esta a razão por que se diz Pontífice dos bens futuros, não dos presentes, que não prometeu aos seus amigos, antes diz: Haveis de ter aflições no mundo30. Cristo, portanto, intervém no perdão dos nossos pecados, como Pontífice dos bens futuros, para nos dar os bens eternos. Quem, portanto, o pode argüir de pecado? Que é o pecado senão a transgressão da Leo divina e a desobediência aos mandamentos celestes31? Quem, pois, o pode argüir de pecado, cuja vontade esteve na lei do Senhor32, que obedeceu, não só ao Pai celeste, mas ainda à Mãe pobrezinha? Qual de vós, portanto, me argüirá de pecado? Se eu vos digo a verdade, porque não me credes33? Não criam na verdade, porque eram filhos do diabo34, que é mentiroso e pai da mesma mentira35, por ele inventada36.
 
II – A audição da palavra de Cristo
 4. Segue o segundo. Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus; vós não as ouvis porque não sois de Deus37. Deus, em hebraico, que dizer temor38. É de Deus aquele que teme a Deus; a quem teme a Deus, ouve as suas palavras. Por isso, diz o Senhor por Jeremias39: Levanta-te e desce à casa do oleiro, e ao ouvirás as minhas palavras. Levanta-te aquele que, tomado pelo temor, se arrepende de ter praticado o mal; e desce à casa do oleiro ao reconhecer-se lodo, temendo que o Senhor o quebre como vaso de barro40; e desta forma ouve aí as palavras do Senhor, porque é de Deus, porque teme a Deus. Diz S. Jerônimo41: É grande sinal de predestinação ouvir de bom grado as palavra de Deus e ouvir notícias da pátria celeste, como alguém que gosta de ouvir notícias da pátria terrena. E o contrário é sinal de obstinação. Por isso, ajunta-se: Vós não ouvis porque não sois de Deus, como se dissesse: Não ouvis as suas palavras porque não o temeis. Daí a fala de Jeremias42: A quem falarei eu? A quem conjurarei eu que me ouça? Eis que os seus ouvidos estão incircuncidados e não podem ouvir; eis que a palavra do Senhor se tornou para eles motivo de opróbrio, e não a receberão. E noutra parte refere43: Eis o que diz o Senhor: Farei apodrecer a soberba de Judá, isto é, dos clérigos, e o grande orgulho de Jerusalém, isto é, dos religiosos. Este povo perversíssimo, a saber, o povo dos leigos, não quer ouvir as minhas palavras e anda na maldade do seu coração. Acerca destes escreve ainda noutro sítio44: Engordaram e engrossaram, e transgrediram pervesissimanente os meus preceitos. Não defenderam a causa da viúva. Porventura não hei-de eu punir estes excessos, diz o Senhor? Ou a minha alma não se há-de vingar duma tal gente? E noutra passagem45: Eis que eu farei cair calamidades sobre este ovo, fruto dos seus desígnios, porque não ouviram as minhas palavras e rejeitaram a minha lei. Para que me trazeis vós incenso de Sabá e cana de suave cheiro de terra longínqua? Os vossos holocaustos não me são agradáveis, nem as vossas vítimas me agradaram, diz o Senhor.
 Sabá interpreta-se rede ou cativa. O incenso designa a oração46; a cana, a confissão do crime ou do louvor. Quem não ouve as palavras de Deus e não conhece a sua lei, que é a caridade, porque o amor é a plenitude da lei47, queima baldadamente o incenso da oração. O incenso vem de Sabá, vaidade do mundo. A vaidade retém o homem enredado e cativo. Traz ao Senhor ainda a cana da confissão, que é de suave cheiro, se for feita em caridade; trá-la de terra longínqua, isto é, da imundície do espírito, que separa o homem de Deus. Os vossos holocaustos, isto é, as vossas abstinências, não me são agradáveis; e as vítimas, isto é, as vossas esmolas,não me agradaram, diz o Senhor, porque lançastes fora a caridade. Que mais? Todas as nossas obras são inúteis para a vida eterna se não são condimentadas com o bálsamo da caridade.
 
III – A blasfêmia dos Judeus contra Cristo
 5. Segue o terceiro: Responderam os judeus e disseram-lhe: Não dizemos nós com razão que tu és um samaritano e que tens demônio? Jesus respondeu: Eu não tenho demônio, mas honro o meu Pai, e vós a mim desonrastes-me. E eu não busco a minha glória; há quem a busque e quem fará justiça48. Os samaritanos, transferidos pelos Assírios, adotaram em parte o rito dos Israelitas e em parte o rito dos gentios49 Os judeus não mantinham relações com eles50, por os reputarem impuros, por isso, a quem queriam insultar chamavam samaritano. Samaritanos interpretam-se guardas, por terem sido colocados pelos babilônios na guarda dos Judeus51. Dizem portanto: Não dizemos nós com razão que tu és um samaritano? Isto aceita o Senhor sem o negar, porque é guarda52. Não dorme nem dormita quem guarda a Israel53 e vigia sobre o seu rebanho54. Daí a afirmação do Senhor a Jeremias55: Que vês tu, Jeremias? E ele disse: uma vara vigilante, ou segundo outra tradução, uma vara de nogueira ou de amendoeira56, estou eu a ver. E disse-me o Senhor: Viste bem, e eu vigiarei sobre a minha palavra para a realizar.A vara, assim chamada de virtude ou verdura ou porque com ela os homens governam57, significa Jesus Cristo58, virtude de Deus59; plantada junto do curso das águas, isto é, junto da abundância das graças60, permanece verde, ou seja, imune de todo o pecado61. Ele de si próprio diz em S. Lucas62: Se fazem isto no lenho verde, que acontecerá no seco? A ele disse o Pai: Governa-os com vara de ferro63, isto é, com justiça inflexível64. Esta vara vigiou sobre a sua palavra para a realizar, porque mostrou com fatos o que pregou de palavra. Vigia sobre a sua palavra quem pratica o que prega por palavra.
 6. Ou então, Cristo chama-se vara vigilante, porque assim como o ladrão, desperto durante a noite, rouba objetos da casa dos qie dormem com uma vara munida de gancho, também Cristo, com a vara da sua humanidade e o gancho da santa Cruz roubou as almas ao diabo65. Por isso, disse: Quando for exaltado da terra, tudo atrairei a mim66, com o gancho da santa Cruz. De fato, o dia do Senhor virá como o ladrão durante a noite67. E no Apocalipse68 diz: Se não vigiares, virei a ti como o ladrão.
 Igualmente se chama Cisto vara de nogueira ou de amendoeira. Nota que na nogueira ou na amendoeira a amêndoa é doce, o caroço rijo, a casca amarga69. A amêndoa doce designa a divindade de Cristo; o caroço rijo, a alma; a casca amarga, a carne, que suportou a amargura da Paixão70. Vigiou sobre a palavra do Pai, que é chamada sua, porque faz um só com o Pai, para a realizar. Daí o dizer: Como o Pai me mandou, assim o faço71. portanto, não tenho demônio, porque cumpro as ordens do Pai. Por conseguinte, blasfemam em verdade os falsos judeus: Tens demônio. Desta blasfêmia contra a pessoa de Cristo refere Jeremias72: Ai de mim, minha mãe! Porque me geraste homem de rixa e de discórdia em toda a terra? Nunca lhes dei dinheiro a usura, nem a mim mo deu ninguém; todos me amaldiçoam, diz o Senhor.
 Nota que há um duplo ai: o da culpa e o da pena. Cristo teve o ai da pena, mas não o da culpa. Ai, portanto, de mm, minha mãe! Porque me geraste para tamanha pena homem de rixa e homem de discórdia? Rixa é o que se comente entre muitos73. Por isso, rixoso quer dizer ricto canino, porque sempre pronto a contradizer74. A discórdia quer dizer coração diverso. Discordar é possuir um coração diverso. Assim entre os judeus havia rixa por causa das palavra de Cristo. Com efeito, os judeus estavam sempre prontos a ladrar e a contradizer como se foram cães. Tinham opiniões diferentes. Alguns efetivamente diziam: é bom; outros, pelo contrário: Não é, mas seduz as multidões75. Nunca dei dinheiro a usura, nem a mim mo deu ninguém. Usurário chama-se não só o que empresta mas também o que recebe76. Cristo, portanto, não deu dinheiro a usura, porque não encontrou dentre os judeus a quem emprestasse o dinheiro da sua doutrina. E não lhe deu ninguém dinheiro a usura, porque não quiseram multiplicar com boas obras a moeda da doutrina77, antes todos o amaldiçoavam dizendo:És samaritano e tens demônio. Respondeu Jesus: Eu não tenho demônio. Refuta a calúnia, mas, paciente, não retorna a injúria. Honro o meu Pai, dando-lhe a honra devida78, atribuindo-lhe tudo79, e vós desonrastes-me.Por isso, na pessoa de Cristo diz Jeremias nos Trenos80: Estou feito objeto de escárnio para o meu povo ao longo de todo o dia. E noutro lugar81: Oferecerá a face a quem lhe bater, será saturado de opróbrios. Eu, porém, não procuro a minha glória, como os homens, que às afrontas sofridas retribuem com afrontas, mas reservo-a ao Pai. Donde ajuntar: Há quem a procure e quem faça justiça82. É o que diz em Jeremias83: Mas tu, Senhor dos exércitos, que julgas segundo a equidade e que sondas os afetos e os corações, faz que eu veja as vinganças que deles tomarás.
 E nota que há duplo juízo: um de condenação, do qual se escreve: O Pai não julga ninguém, mas confiou todo o juízo ao Filho84; outro de separação. Dele diz o Filho no Intróito da missa de hoje: Julga-,e, ó Deus, e separa a minha causa de uma gente não santa85 etc. É ainda neste sentido que ele diz: É o Pai quem procura a minha glória e separa a minha glória da vossa. Vós gloriais-vos segundo o século, não eu; a minha glória é aquela que tive junto do Pai antes que o mundo existisse, diferente do orgulho dos homens86.
 7. Sentido moral. Tens demônio. Demônio, do grego daimonion, quer dizer perito e conhecedor de fatos87. O vocábulo grego daimon88 significa muito ciente. Quando, portanto, alguém, por adulação ou aplauso, te diz: És perito e sabes muito, diz-te: Tens demônio. E tu imediatamente deves responder com Cristo: Eu não tenho demônio. De mim mesmo nada sei, nada tenho de bom, mas honro o meu Pai. A ele atribuo tudo; a ele dou graças; dele provém toda a sabedoria, toda a perícia e ciência. Eu não busco a minha glória. Diz com S. Bernardo89: Não me toques, palavra de vanglória, pois é só devida a glória a quem se reza: Glória ao Pai e ai Filho e ao Espírito Santo. Diz igualmente: O anjo, no céu, não busca do anjo a glória; e o homem, na terra, deseja ser louvado pelo homem90.
 
IV – Glória eterna para o servidor da palavra de Cristo
 8. Segue o quarto: Em verdade, em verdade vos digo: quem guardar a minha palavra, não verá a morte eternamente. Disseram-lhe, pois, os judeus: Agora reconhecemos que tens demônio. Abraão morreu e os Profetas, e tu dizes: Quem guarda a minha palavra não verá a morte eternamente. Porventura és maior do que o nosso pai Abraão, que morreu? E os Profetas morreram. Que pretendes tu ser? Respondeu Jesus: Se eu me glorifico a mim mesmo, não é nada a minha glória91. Ámen significa: verdadeiramente, fielmente, ou faça-se. É vocábulo hebraico como aleluia. E assim como no céu S. João ouviu ámen e aleluia, conforme refere no Apocalipse92, assim na terra estas duas palavras foram entregues pelos Apóstolos para serem pronunciadas por todos os povos93: Em verdade, em verdade vos digo: quem guardar a minha palavra, não verá a morte eternamente. Morte vem da mordedura do primeiro homem, porque ao morder o pomo da árvore proibida incorreu na morte. Se tivesse guardado a palavra do Senhor: Come de toda a árvore do paraíso, mas não comas da árvore da ciência do bem e do mal94, não teria experimentado a morte eternamente; mas porque não a guardou, experimentou a morte e pereceu juntamente com toda a sua posteridade. Daí a fala de Jeremias95: O Senhor pôs-te o nome de oliveira fecunda, formosa, fértil, vistosa; à voz da sua palavra grandíloqua, acendeu-se nela o fogo e queimaram-se os seus ramos.
 A natureza humana antes do pecado foi oliveira na criação e criada no campo damasceno96, mas plantada, por assim dizer, no paraíso de delícias; fecunda nos dons gratuitos, formosa nos naturais, fértil no gozo da eterna felicidade, vistosa na sua pureza. Mas ai! à voz da sua palavra grandíloqua, isto é, da sugestão diabólica a prometer grandes coisas: Sereis como deuses97, acendeu-se nela o fogo da vanglória e da avareza e desta forma foram queimados os seus ramos, ou seja, toda a sua posteridade. Ó filho de Adão, não imiteis os vossos pais, que não guardaram a palavra do Senhor, e por isso pereceram, mas guardai-a: Em verdade, em verdade vos digo que se guardardes a minha palavra, não vereis a morte eternamente. Ver, neste lugar, é o mesmo que experimentar98.
 9. Segue. Disseram, pois, os judeus: Agora reconhecemos que tens demônio. Ó desatino de espírito imbecil! Ó perfídia de gente demoníaca! Não vos basta uma vez só blasfemar do inocente, imune de todo o pecado, de modo tão horrível, com ultraje tão ignominioso, senão que repetis segunda vez: Agora reconhecemos que tens demônio. Ó cegos, se conhecêsseis que ele não tinha demônio, mas crêsseis no Senhor Filho de Deus!
 Abraão morreu, não com aquela morte que o Senhor disse99, mas de morte corporal, da qual se escreve no Gênesis100: Foram os dias de Abraão cento e setenta e cinco anos; e faltando-lhe as forças, morreu numa ditosa velhice e em avançada idade e cheio de dias; e foi unir-se ao seu povo. E Isaac e Ismael, seus filhos, sepultaram-no na dupla caverna.
10. Sentido moral. Abraão significa o justo, cuja vida deve constar de cento e setenta e cinco anos. O número centenário, número perfeito, designa toda a perfeição do justo101; o septuagenário, que consta de sete e de dez, a infusão da graça septiforme e o cumprimento do decálogo102; no quinário, a vida limpa dos cinco sentidos103. Portanto, a vida do justo deve ser perfeita pela infusão da graça septiforme e pelo cumprimento do decálogo e pelo porte limpo dos cinco sentidos; e desta maneira abandonará o amor mundano e morrerá para o pecado, cheio, não vazio, de dias e reunido ao seu povo. Deste diz o Senhor em Isaías104: Os dias do meu povo serão como dias da árvore, isto é, de Jesus Cristo105, porque assim como ele viverá eternamente, também o meu povo viverá e reinará com ele sempiternamente106. Daí a palavra do Evangelho: Eu vivo, e vós vivereis107.
 E Isaa e Ismael, seus filhos, sepultaram-no na dupla caverna. Isaac interpreta-se gozo108, Ismael interpreta-se audição de Deus109. O gozo da esperança dos bens celestes e a audição dos divinos preceitos sepultam o justo na dupla caverna da vida ativa e contemplativa110, a fim de que, escondido da perturbação dos homens no secreto da face do Senhor, se proteja das línguas maldizentes111. Destas ainda se ajunta: Que pretendes tu ser? Segundo eles, pretendia passar por Filho de Deus, igual a Deus, como se o não fosse. Mas não se fazia: era-o verdadeiramente. Donde a afirmação do Apóstolo112: Não considerou ser rapina ao fazer-se igual a Deus.Por isso, não diziam: Que és, mas: Que pretendes tu ser? Se eu me glorifico a mim mesmo, a minha glória não é nada. Contra o que dizem: Que pretendes tu ser?, refere a sua glória ao Pai. Dele é que tira o ser Deus113.
 
V – Cristo a glorificar pelo Pai
 11. Segue o quinto: É o Pai quem me glorifica, aquele que vós dizeis ser o vosso Deus; mas vós não o conhecestes; eu, porém, conheço-o; e se disser que o não conheço, serei mentiroso como vós. Mas eu conheço-o e guardo a sua palavra114. Nota que o Pai glorificou o seu Filho no nascimento, ao fazê-lo nascer duma Virgem; no rio Jordão e num monte115, quando disse: Este é o meu filho amado116. Glorificou-o ainda na ressuscitação de Lázaro, na Ressurreição e na Ascensão. Por isso, disse em S. João117: Pai, glorifica o teu nome. Veio, pois, uma voz do céu, dizendo: E glorifiquei-o, na ressurreição de Lázaro; e de novo o glorificareina Ressurreição e na Ascensão118. É, pois, o Pai quem me glorifica, o qual vós dizeis ser o vosso Deus. Aqui está abertamente um testemunho contra os hereges119, que afirmam ter sido dada a Lei a Moisés pelo deus das trevas. Mas o Deus dos judeus, que deu a Lei a Moisés, é o Pai de Jesus Cristo; portanto, o Pai de Jesus Cristo deu a Lei a Moisés120. E vós não o conheceis espiritualmente, quando servis os bens terrenos121. Eu, porém, conheço-o, porque sou um com ele. E se disser que não o conheço, quando o conheço122, serei mentiroso como vós, que dizíeis conhecê-lo, quando não o conheceis123. Mas eu conheço-o e guardo a sua palavra.Como Filho, exprimia a palavra do Pai; e ele mesmo era a Palavra do Pai, Ele que fala aos homens124. Guarda-se a si mesmo, isto é, guarda a divindade em si.
 
VI – A alegria de Abraão
 12. Segue o sexto. O vosso pai Abraão suspirou por ver o meu dia; viu-o e ficou cheio de gozo. Disseram-lhe, por isso, os Judeus: Tu ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão? Disse-lhe Jesus: Em verdade, em verdade vos digo, antes que Abraão fosse feito, eu sou125. Nota as três palavras: suspirou, viu e alegrou-se.Nota ainda que é triplo do dia do Senhor: o do Natal, o da Paixão e o da Ressurreição. Sobre o primeiro escreve Joel126: Naquele dia sairá uma fonte da casa do Senhor e irrigará uma torrente de espinhos. No dia de Natal, uma fonte, isto é, Cristo, sairá da casa de David, isto é, do útero da Santíssima Virgem, e irrigará uma torrente de espinhos, isto é, refrigerará a abundância das nossas misérias, com que todos os dias somos atormentados e feridos.
 Acerca do segundo, diz Isaías127: Meditou no seu espírito duro, para o dia da ardência. No dia da Paixão, em que o Senhor suportou a ardência128 dos trabalhos e da dor no seu espírito duro, enquanto pendia na cruz, meditou no modo de condenar o diabo e libertar de suas mãos o gênero humano.
 A respeito do terceiro, diz Oséias129: Ao terceiro dia ressuscitará, e nós viveremos na sua presença: entraremos na ciência do Senhor e o seguiremos a fim de o conhecer. Ao terceiro dia, Cristo, ressurgindo dos mortos, ressuscitou-nos juntamente com ele130, isto é, conformes com a sua ressurreição131, porque assim como ele ressuscitou, também nós acreditamos que havemos de ressuscitar na ressurreição geral132. E entãoviveremos, entraremos na sua ciência e o seguiremos, a fim de o conhecer. Nestes quatro verbos entendemos os quatro dotes do corpo glorioso: viveremos: eis a imortalidade; entraremos na sua ciência: eis a sutileza; o seguiremos: eis a agilidade; a fim e conhecermos o Senhor: eis a claridade.
 Abraão, pois, isto é, o justo, exulta no dia do nascimento do Verbo Encarnado; com a visão da fé, vê-o suspenso no patíbulo da cruz; com ele, já imortal, gozará no reino celeste.
 Disseram-lhe os judeus, olhando nele só para a idade da carne, sem considerar a natureza divina133: Ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão? Com trinta e um ou talvez trinta e dois anos, pro causa do demasiado trabalho e instância da pregação, o Senhor parecia ser mais velho. Disse-lhes Jesus: Antes que Abrão fosse feito, eu sou. Não disse: fosse. Mas: fosse feito, porque criatura; não disse, feito, mas: sou, porque criador134.
 
VII – A ocultação de Jesus dos Judeus que o queriam lapidar
 13. Segue o sétimo: Então pegaram em pedras para lhe atirarem; mas Jesus encobriu-se, e saiu do templo135. Os apedrejadores recorrem a pedras para lapidar a pedra angular. Em si juntou as duas paredes136: o povo judaico e o povo gentio, que vinham de parte contrária. Os judeus, imitadores da malícia de seus antepassados, quiseram lapidar o Senhor dos profetas. Seus pais apedrejaram o profeta Jeremias no Egito137. Por isso, diz-lhes o Senhor em S. Mateus138: Sois filhos daqueles que mataram os profetas, e vós enchei a medida dos vosso pais.

14. Sentido moral. Os falsos cristãos, filhos estranhos, filhos do diabo, que mentiram ao Senhor, violando o pacto feito no Batismo, apedrejam todos os dias, quanto deles depende, com as duras pedras dos seus pecados, o seu pai e Senhor Jesus Cristo, do qual tiraram o nome de cristãos139, e se esforçam por matá-lo, por matar a fé nele. Assemelham-se aos filhos do abutre, que deixam o pai morrer de fome. Não são como os filhos do grou, que se expõem à morte pelo pai, quando o abutre lhes persegue o pai; já envelhecido, alimentam-no140, por já não poder caçar. O nosso pai, como pai faminto, bate à porta, para que lha abramos e lhe demos, se não uma ceia, ao menos um bocado de pão. Eu, diz no Apocalipse141, estou à porta e bato; se alguém me abrir, entrarei na casa dele e cearei com ele e ele comigo. Nós, porém, filhos degenerados, como os do abutre, deixamos morrer de fome o nosso pai. Por isso, ele queixa-se de nós por boca de Jeremias142:Porventura tenho eu sido para Israel um deserto ou terra de trevas? Porque disse, pois, o meu povo: Nós nos retiramos, não tornaremos mais a ti? Porventura esquecer-se-á a donzela do seu ornato, ou a esposa da faixa que lhe cinge o peito? Mas o meu povo esqueceu-se de mim durante dias sem número. O Senhor não é deserto ou terra de trevas, que não dão fruto algum ou dão pouco fruto, mas é paraíso de delícias e terá de bênção, na qual recebemos o cêntuplo de tudo o que tivermos semeado.
 Qual a razão, pois, por que, miseráveis, nos afastamos dele e dele nos esquecemos por tão longo tempo? Mas a alma, esposa de Cristo, donzela pela fé e pela caridade, não pode esquecer-se do seu ornato, isto é, do amor divino, de que anda adornada, e da faixa que lhe cinge o peito, ou seja, da consciência pura, sob a qual vive segura.
 Sejamos, por favor, irmãos caríssimos, como os filhos do grou, a fim de que, se for necessário, afrontemos a morte pelo nosso pai, isto é, pela fé do nosso pai, e restauremos, com boas obras, este mundo, já envelhecido e que depressa cairá na ruína, para que não nos suceda o que se ajunta: Jesus, porém, encobriu-se e saiu do templo. E, por esta causa, dede o presente domingo, que se intitula Paixão do Senhor, nos responsórios não se diz Glória ao Pai. Todavia, não há completo silêncio, porque o Senhor ainda não fora entregue nas mãos dos lanistas143.
 Roguemos, portanto, e com lágrimas peçamos ao Senhor Jesus Cristo que não nos encubra a sua face e não saia do templo do nosso coração, e não nos argua de pecado no seu juízo; antes nos infunda a sua graça, para que diligentemente ouçamos a sua palavra; nos conceda paciência na injúria sofrida; nos livre da morte eterna; nos glorifique no seu reino, a fim de merecermos ver o dia da sua eternidade juntamente com Abraão, Isaac e Jacob. Ajude-nos ele mesmo, ao qual é devida honra e poder, decoro e império pelos séculos eternos. Diga toda a Igreja: Assim seja.

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1.Jo 8, 46 (Vg... dico vobis...).
2.Jer 6, 1 (Vg. muda)
3.Gen 35, 18.
4.Glo. Ord., Is 1, 1.
5.Glo. Int., Jer 1 c.
6.Betacarém interpreta-se “quinta da vinha” (Glo. Int., ibidem); outro étimo, o hebraico, dá-lhe o significado de “casa estéril”.
7.Cf. Glo. Ord., Prov 3, 16.
8.Prov 3, 16
9.Cf. Glo. Ord., Is 1, 1.
10.Cf. Mt 6, 2.
11.Cf. Sab 6, 3.
12.Cf. Lam 5, 16.
13.Cf. Lc 22, 44.
14.Cf. Jo 8, 46-49.
15.Breviário Romano, Domingo da Paixão, a Matinas, 1º responsório.
16.Cf. Jo 1, 29.
17.1Ped 2, 22 e Is 53, 9.
18.Is 53, 12 (Vg. Et ipse peccata...).
19.Cf. ISID., Diff. I, 19, PL 83, 12; cf. CÍCERO, Mur. 67. St. Antônio deve ter-se servido diretamente de Papias.
20.Heb 9, 11.
21.Cf. Glo. Int., ibidem.
22.Sl 106, 41.
23.Cf. p. lomb., Sent. II, dist. 25, 7, p. 432. “Antes dos escolásticos, o santo de Pádua usava a célebre fórmula que sintetiza os efeitos do pecado original”. Isto é o que escreveu DIOMEDE SCARAMUZZI, La figura intellecttuale di s. Antonio di Padova, Roma 1943, PP. 159 nota.
24.Fil 2, 8.
25.Cf. Heb 9, 13-14.
26.Heb 9, 11.
27.Cf. VARRÃO, De língua latina, IV; BERN., De moribus et officio Episcoporum, 3, 10, PL 182, 817. St. Antônio terá utilizado, ou VARRÃO (o original) ou florilégios, por exemplo, o texto de Pápias, que não propriamente São Bernardo, na opinião de ANNA BURLANI CALAPAJ, Le citazioni di s. Bernardo, in Actas 1981, p. 218.
28.ISID., Etym. VIII, 12, 13, PL 82, 291. Mas St. Antônio utilizou aqui diretamente o Vocabularium Latinum de PAPIAS.
29.Is 59, 2.
30.Jo 16, 33.
31.Esta é a definição de pecado, já lida em ST. AMBRÓSIO, De paradiso 8, 39, PL 14, 309; cf. P. LOMB., Sent. II, dist. 35, 1, p. 492.
32.Cf. Sl 1, 2.
33.Jô 8, 46.
34.Cf. Glo. Int., Jo 8, 46.
35.Jo 8, 44 (Vg. quia...).
36.Glo. Ord., ibidem.
37.Jo 8, 47.
38.Cf. ISID., Etym. VII, 1, 5, PL 82, 259-260: “Deus graece Théos dicitar, quase déos, idest Timor”. GUSTAVO CANTINI, De fontibus sermonum S. Antonii qui in editione Locatelli continentur, em Antonianum (Roma), 1931, p. 348, nota, afirma ser ela certametne uma leitura defeituosa. Propõe: “Deus, em hebraico Eloim, quer dizer temor”.
39.Jer 18, 2.
40.f. Sl 2, 9.
41.Os Editores não conseguiram identificar esta citação de São Jerônimo.
42.Jer 6, 10.
43.Jer 13, 9-10.
44.Jer 5, 27-29.
45.Jer 6, 19-21.
46.Cf. Glo. Ord. e Int., Is 60, 6.
47.Cf. Rom 13, 10.
48.Jo 8, 48-50 (V. ajunta, muda).
49.Cf. 4Reis 17, 24; 33, 41.
50.Cf. Jo 4, 9.
51.Cf. ISID., Etym. IX, 2, 54, PL 82, 333.
52.Glo. Int., Jo 8, 48.
53.Cf. Sl 120, 4.
54.Cf. Lc 2, 8.
55.Jer 1, 11-12 (V. muda).
56.Cf. Glo. Ord. e Int., Jer 1, 11. St. Antônio pensa ainda em São Jerônimo, aliás inspirador do Autor da Glossa.
57.Cf. ISID., Etym. XVII, 6, 18, PL 82, 608.
58.Cf. Glo. Ord., Jer 1 c.
59.Cf. 1Cor 1, 24.
60.Cf. Sl 1, 3 e Glo. Ord., ibi.
61.Cf. Glo. Ord., Lc 23, 31.
62.Lc 23, 31 (Vg... haec faciunt...).
63.Sl 2, 9.
64.Glo. Int., ibidem.
65.Cf. Glo. Int., Ex 7, 9-10.
66.Jo 12, 32.
67.Cf. 1Tess 5, 2.
68.Ap 3, 3 (Vg. Si ergo non...).
69.Cf. Glo. Ord., Jer 1, 11.
70.Cf. AGOST., Sermo 245 (por suposições) 5, PL 39, 2189; Glo. Int., Cant 6, 10.
71.Jo 14, 31.
72.Jer 15, 10-11.
73.ISID., Diff. I, 346, PL 83, 46.
74.ISID., Etym. X, 239, PL 82, 392.
75.Cf. Jo 7, 12.
76.ISID., Etym. X, 97, PL 82, 377.
77.Cf. Glo. Ord., Jer 15, 10.
78.Glo. Int., Jo 8, 49.
79.Glo. Ord., ibidem.
80.Lam 3, 14 (Vg. ajunta).
81.Lam 3, 30.
82.Glo. Ord., Jo 8, 50.
83.Jer 11, 20.
84.Jo 5, 22 (Vg. Neque enim Pater iudicat...).
85.Sl 42, 1.
86.Glo. Ord., Jo 8, 50.
87.ISID., Etym. VIII, 11, 15, PL 82, 315; cf. LACTÂNCIO, Institutiones, II, 15, PL 6, 331.
88.O primeiro significado de daimónion é divindade. Daimon pode traduzir-se por deus, destino, sorte, felicidade. Há quem lhe vá buscar a raiz ao verbo daio, repartir; para outros virá de daénai, saber. Esta é a origem seguida por St. Antônio, que foi colher ao Vocabularium Latinum de PAPIAS.
89.Cf. BERN., In festo omnium sanctorum, sermo 5, 7, PL 183, 479.
90.BERN., In Nativitate B. V. Mariae, 14, PL 183, 445.
91.Jo 8, 51-54 (Vg. muda).
92.Cf. Ap 19, 1. 3-4.
93.Cf. ISID., Etym. VI, 19, 20-21, PL 82, 253-254.
94.Gen 16-17.
95.Jer 11, 16 (Vg. muda).
96.Cf. Is 17, 1. CRISTIANO ADRICÔNIO diz-nos o seguinte sobre o campo damasceno: “Hic asserunt Adam a Deo plasmatum et hinc translatum in paradisum terrestrem, atque inde rursus ejectum peccato, quo se et nos omnes perdidit, huc relatum. Distat autem spatio quantum arcus jacit Ebron: ager u que adeo fertilis et speciosus, ut aliqui paradisum terrestrem intelligi hic debere crediderent. Habet terram rubram et mire tractabilem, quam Saraceni deferunt in Aegiptum, Indiam, Aethiopiam, care vendentes. Ferunt autem foveas revoluto anno adimpleri, habeturque; fama constanti terram hanc talis esse virtutis, ut eam gestantibus nulla incommoda noceant, unde et aliqui abuntuntur in varuas superstitiones”. Cf.Theatrum Terrae Sancte et biblicarum historiarum, Coloniae Agrippinae 1682, p. 45.
97.Gen 3, 5.
98.Glo. Ord., Jo 8, 51.
99.Glo. Int., Jo 8, 52.
100.Gen 25, 7-9 (Vg. ajunta).
101.Cf. Glo. Ord. e Int., Lc 8, 8.
102.Cf. GREG., Moralium XXXV, 16, 42, PL 76, 773.
103.Cf. GREG., In Ez II, hom 5, 5, PL 76, 987.
104.Is 65, 22.
105.Glo. Ord.¸ibidem.
106.Cf. Glo. Ord., ibi.
107.Jo 14, 19.
108.Glo. Int., Gen 21, 3.
109.Glo. Int., Gen 21, 11.
110.Glo. Int., Gen 25, 9.
111.Cf. Sl 30, 21.
112.Fil 2, 6 (Vg... esse se...).
113.Glo. Ord., Jo 8, 53-54.
114.Jo 8, 54-55 (Vg. Est Pater meus...).
115.Cf. Glo. Ord., Jo 8, 54.
116.Mt 3, 17/ 17, 5.
117.Jo 12, 28 e Glo. Int., ibi.
118.Glo. Int., ibidem.
119.O Santo alude aqui à falsa teoria dos cátaros. Renovando no século XII o dualismo maniqueu, ensinavam que o Autor do Velho Testamento foi um princípio mau, o qual é ainda o “príncipe deste mundo”, enquanto o Novo Testamento tem por Autor o Deus bom. Contra estes tais, o Doutor Evangélico prova que é um e o mesmo o Deus do Velho e do Novo Testamento. Cf. DIOMEDE SCARAMUZZI, La figura intellettuale di s. Antonio di Padova, p. 170, nota 3.
120.Cf. Glo. Ord., Jo 8, 54; AGOST., In Joannis evangelium tractatus 44, 5, PL 35, 1711.
121.Glo. Ord., Jo 8, 55.
122.Glo. Int., ibidem.
123.Glo. Int., ibidem.
124.Glo. Int., ibidem.
125.Jo 8, 56-58 (Vg. junta, omite).
126.Joel 3, 18 (Vg. ajuda, muda).
127.Is 27, 8.
128.Cf. Glo. Ord., ibidem.
129.Os 6, 3.
130.Glo. Int., ibidem.
131.Cf. Glo. Ord., ibidem.
132.Glo. Ord., ibidem.
133.Glo. Int., Jo 8, 57.
134.Jo 8, 59.
135.Jo 8, 59.
136.Cf. AGOST., De Scripturis sermo 4, 17, 18, PL 38, 42.
137.Cf. Heb 11, 37; P. COMESTOR, Historia Scholastica, Liber Tobiae, 3, PL 198, 1440.
138.Mt 23, 31-32.
139.ISID., Etym. VIII, 14, 1, PL 82, 294.
140.O que se refere aqui da cegonha aparece em ARIST., De hist. an., IX, 13, 615b23-27;ISID., Etym. XII, 7, 17, PL 82, 461; SOLINO, Polyhistor, 53 e AMB., Hexameron, V, 15, 55, PL 14, 243.
141.Ap 3, 20 (Vg. ajunta).
142.Jer 2, 31-32 (Vg. ajunta, muda).
143.Em sentido próprio, o vocábulo latino lanista significa mestre ou chefe de gladiadores. No presente contexto assume o sentido de malfeitor.