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08/03 - Em honra a São José - excertos do livro

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943

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6.     À PROCURA DE JESUS EM JERUSALÉM

Depois da tormenta da perseguição, depois das tristezas do exílio, eis que principiou a vida oculta do Salvador, período de calma, de tranquila doçura, de felicidade doméstica para a família de São José. Uma única vezes a paz foi perturbada por um sofrimento pungente — quando Jesus atingiu os seus doze anos.

Era o tempo da Páscoa. Nos vértices de todas as montanhas circundantes, durante a noite, acendiam-se fogos para anunciar a festa da lua nova do mês de Nizan. As estradas estavam apinhadas de peregrinos que se dirigiam a Jerusalém para a grande solenidade da Páscoa. Nos povoados e aldeias, as pessoas se reuniam em caravanas, formando os homens um grupo e as mulheres outro. Nos vales ecoava o canto dos salmos.
Contava Jesus doze anos. Tornado “filho da lei”, devia daí em diante observar os jejuns prescritos e ir a Jerusalém na época das três grandes festas do povo judeu. Era, pois, a sua primeira peregrinação legal à cidade santa. Os campos haviam-se revestido dos seus adornos primaveris. Grande foi a alegria de todos, mormente quando, por trás dos antigos santuários de Silo e Betel, apareceu ao longo Jerusalém, coroando as alturas, com seus muros, suas torres, seus palácios, suas cúpulas e seu templo. Dir-se-ia uma visão do céu.
Os peregrinos recebiam hospedagem em casa dos parentes ou amigos, ou então com pouca despesa achavam abrigo para os dias de festa. A Sagrada Família conformou-se ao uso. No dia 14 de Nizan, à noite, comia-se o cordeiro pascal. A 15, celebrava-se no templo o sacrifício solene, e todos os homens deviam comparecer. À noite desse mesmo dia, em presença do povo, o primeiro feixe de espigas de cevada era levado ao templo, oferecido no dia seguinte em sacrifício, e depois consumido pelo fogo. Essa oblação das primícias marcava o começo da ceifa. Os peregrinos então, podiam regressar para casa.
Reunidos a galileus e a habitantes de Nazaré, José e Maria deixaram Jerusalém. À noite, na primeira parada, — provavelmente em Beroth, — Jesus não se achou com eles. Pensando que estivesse com parentes ou amigos, a princípio eles não se inquietavam. Mas, que dolorosa surpresa quando, apesar da espera e das procuras entre os diversos grupos, não o descobriram e nem sequer puderam colher qualquer informação! A preocupação não lhes permitiu conciliar o sono.
O dia seguinte ainda foi um dia de tristeza. Eles retomaram a estrada de Jerusalém, interrogando a quem encontravam, percorrendo as ruas da cidade. Mas, ai, sem resultado!
A angústia tornava-se cada vez mais pungente. Que era feito do Menino? Quantos motivos para temer, motivos de ordem natural e de ordem sobrenatural, a experiência do passado, o receio pelo futuro, sem falar da sua fé e do seu amor! Onde estava então Jesus? Seria já o gládio predito por Simeão, e começaria a realizar-se a temível profecia? Quem dirá qual a dor de José e Maria, os seus suspiros, as suas lágrimas? Por ocasião da fuga para o Egito, eles haviam sofrido, sem dúvida; mas, ao menos,  possuíam Jesus. Jesus então estava com eles. Apesar de tudo, entretanto, permaneceram submissos a Deus, na paciência e na humildade. Talvez fosse a sua própria indignidade que os privava dessa presença bendita! Acabaram agradecendo a Deus a honra e a ventura com que até ali tinham sido contemplados. Este próprio pensamento e o pesar que sentiam estimulava-lhes o zelo em procurar o Salvador. Como terminou tristemente aquela festa da Páscoa, com tanta alegria começada!
Assim se passaram aquele dia, a noite e uma parte do dia seguinte. Finalmente, desolados, esgotados todos os expedientes, chegaram ao templo.
Enquanto Maria e José o procuravam, Jesus, obedecendo a seu Pai Celeste, deixara seus pais. Pôde fazê-lo tanto mais despercebido quanto, no templo e durante a peregrinação, os homens e as mulheres formavam grupos separados. Talvez ele tivesse passado a noite no Monte das Oliveiras, ou nalguma hospedaria pública, e houvesse mendigado um pedacinho de pão. Após a partida de Maria e José ou no dia seguinte, Ele foi ao templo. Entrou no terraço ou na sala, onde doutores da lei, nacionais e estrangeiros, ensinavam e respondiam às interrogações dos ouvintes.
Jesus sentou-se entre os discípulos e, ou porque aparecia reiteradamente, ou porque o encanto da sua pessoa e a sabedoria das suas perguntas e respostas impressionaram todos os espectadores, atraiu ele a atenção dos próprios doutores. No terceiro dia, ainda lá estava, "e todos os que o ouviam estavam cheios de admiração” (Lc 2,47).
Deixando o lugar de honra que ocupavam, os mestres da lei aproximaram-se dele, e tinham evidente prazer em interrogá-lo. Ou então para melhor ouvi-lo, talvez o tivessem feito assentar a seus lados. Em todo caso, de acordo com o relato evangélico (Lc 2,46), tratava-se de um fato insólito, de uma atenção que não estava nos hábitos dos doutores. Qual fosse o assunto da discussão, apenas podemos conjecturar. Talvez se tratasse do advento do Messias. Seja como for, naquele santuário da ciência isso era uma espécie de revolução: os doutores recebendo lições de um menino e testemunhando-lhe uma deferência respeitosa! Não havia nisso uma profecia de acontecimentos futuros?
Foi nesse momento que Maria e José entraram. “Ficaram cheios de admiração” diante do espetáculo (Lc 2, 48). Ainda angustiada pela dor, mas feliz ao mesmo tempo por encontrar seu Filho bem-amado, Maria lhe disse:
— “Filho, por que nos fizeste isto. Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura cheios de aflição”.
Jesus, levantou-se e respondeu solene e majestosamente — “Porque me procuráveis? Não sabíeis que tenho de estar na casa de meu Pai?” (Lc 2,49).
Havia em Jesus tal majestade, havia tal gravidade nas suas palavras, que Maria e José se encerraram no silêncio, cheios de admiração e penetrados de respeito. Depois, Jesus “desceu com Eles e veio para Nazaré” (Lc 2,51).
Era bem natural que na requintada sensibilidade do seu coração, Maria manifestasse a sua dor pelas palavras dirigidas a Jesus. José, que observava sempre todas as coisas com solicitude paternal, parece ter guardado silêncio. Ele meditava, no recolhimento, o mistério que acabava de passar-se. Mistério, com efeito: mistério profundo! Jesus abandona seus pais, causa-lhes essa dor cruel, lança-os na angústia quando até então lhes testemunhara tanta obediência! Revela-se em público e no templo atrai sobre si todos os olhares, enquanto até então vivera na humildade, no silêncio e na obscuridade. Esse mistério é o prelúdio e o anúncio da sua missão messiânica, da sua vida pública, da manifestação da sua divindade com circunstâncias particulares de pobreza e de renúncia absolutas; e mesmo, no dizer dos santos Padres, é o prelúdio do anúncio de sua morte e da sua permanência de três dias no túmulo.
Mas, ao mesmo tempo, esse mistério nos indica o papel especial de São José, suas relações com a vocação messiânica de Jesus. Ele aparece aqui com seu título de pai legal do Salvador:         Maria         dá-lhe esse nome de pai;menciona-o antes de si mesma. Todavia, Ele é apenas o pai legal, e, na sua resposta, Jesus fala de outro Pai; e a obediência a este Pai é o seu primeiro dever, a sua missão toda.
Vemos igualmente José associado à missão messiânica do Salvador na dor e no sofrimento 3. Aqui, todos — Maria, José, o próprio Jesus — já são, nesse mistério, vítimas dessa vocação. O gládio de Simeão, que no Calvário devia traspassar a alma de Maria, nesse dia fere também o coração de José.

Finalmente, o santo patriarca é associado às alegrias e à honra. Esse mistério constitui uma revelação do Salvador, revelação gloriosa, revelação singularmente graciosa,porque pela primeira vez o próprio Jesus se manifesta, deixando transparecer algo da sua sabedoria divina, alguns traços da sua beleza. E é tal o encanto que, apesar do orgulho da sua ciência e da obstinação do seu espírito, os doutores da lei se inclinam perante o Salvador, no seu templo. Que alegria, que honra para São José ser o pai daquele Menino, ser junto a ele o representante do Pai Celeste.

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