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09/03 - Em honra a São José - excertos do livro

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943



8.   A VIDA FELIZ E TRANQUILA E FELIZ DE SÃO JOSÉ
Depois dessa Páscoa inolvidável, a vida de São José transcorreu na calma, na paz e na felicidade. É a “vida oculta em Nazaré”. O que o Evangelho nos diz do divino Salvador entende-se igualmente de José. Recolhamos esses episódios e tentemos representar-nos o santo patriarca durante esse período da sua vida.

Estamos em Nazaré. O gracioso povoado abriga-se num valezinho, por entre as colinas que ao norte fecham a planície de Esdrelon. Suas casas escalonam-se pitorescamente sobre um contraforte de colinas de onde a vista se estende sobre a planície, sobre o monte Carmelo e sobre o mar, ao passo que,para o norte, se descobrem os cimos nevosos do Hermon. Da própria Nazaré, o horizonte é menos vasto, não oferece nem picos rendilhados, nem florestas de encanto poético: é o recolhimento na solidão e na paz — a moldura que convém à “vida oculta”.
A casa oriental, ordinariamente, é quadrada, construída de pedras e de terra argilosa, e caiada de branco. No rés do chão, alguns quartos servem de habitação. Por cima há um terraço ao qual se sobe, por meio de degraus, do pátio exterior onde habitualmente se veem um forno, uma vinha ou uma figueira. O próprio pátio é fechado por um muro ou uma cerca.
Tal devia ser, mais ou menos, a habitação da Sagrada Família. Uma parte da casa, ao que parece, era talhada na rocha; a parte anterior, construída de pedras.
Primeiramente, nos diz o Evangelho que os pais de Jesus “iam todos os anos a Jerusalém, à festa da Páscoa” (Lc 2,41). Por aí vemos que a vida de São José e da Sagrada Família era uma vida de piedade e de oração. Entre os judeus, a vida de família era eminentemente religiosa. Logo à entrada da casa via-se um cofrezinho de madeira que encerrava os textos da lei escritos em tiras de pergaminho. Saindo da casa e entrando nela, tocava-se respeitosamente com a mão aquele cofrezinho, mais ou menos como se faz com a água benta em nossas famílias cristãs.
Havia, ainda, o serviço religioso na sinagoga. Cada aldeia possuía uma sinagoga, onde, numa espécie de coro elevado um pouco acima do espaço destinado ao povo havia um nicho coberto por um véu que continha a Sagrada Escritura. Os doutores da lei ocupavam lugarejos de honra. Era ali que se liam e explicavam as Escrituras. Era ali que se rezava em comum e se implorava o advento do Messias.
Nos dias ordinários, a família não deixava de fazer suas práticas religiosas. Cada noite, as pessoas reuniam-se para rezar juntas sob a presidência do pai de família, e temos toda razão para representar-nos São José, uma vez terminado seu dia de labuta, a tomar Jesus sobre os joelhos, a rezar e recitar com ele passagens da Escritura, a erguê-lo nos braços para lhe permitir tocar e beijar o cofrezinho que continha as sentenças da Lei, ou então a conduzi-lo à sinagoga para cantar com ele os salmos.
Mais tarde, chegado à adolescência, talvez nessas reuniões da noite, em família, o próprio Jesus se encarregasse de explicar, com profunda sabedoria e com amável modéstia, os textos da Escritura que se haviam lido na sinagoga. Em Maria e em José encontravam suas palavras um terreno admiravelmente preparado que produzia ao cêntuplo. — Eis aí o que dizia respeito a vida de piedade.
Além disso, o Evangelho nos repete várias vezes que José era carpinteiro (Mt 1:55; Mc 6,3). A vida oculta em Nazaré foi pois, uma vida de trabalho. Enquanto Marta cuidava das ocupações caseiras, enquanto cosia ou fiava, enquanto saía para fazer as pequenas compras necessárias, ou para tirar, de manhã e à tarde, água, na fonte que ainda se vê hoje,São José trabalhava na oficina. A indolência e a ociosidade, bastante comuns entre os asiáticos, eram coisas desconhecidas da Sagrara Família. Aqui, o pão que se comia era ganho pelo labor.
Assim que a idade e as forças lhe permitiram, Jesus quis ajudar seu pai nutrício. Ditosos anos para São José esses anos de aprendizagem em que ele teve de formar no trabalho o Salvador, visto que o trabalho entrava no plano do Homem-Deus! Que encanto o trabalhar ao lado do divino aprendiz, guiá-lo, instruí-lo! Ele conduzia a mão de Jesus dirigia-lhe os primeiros esforços, estudava-lhe os ensaios. Não terá seu coração transbordado de sentimentos de adoração, de respeito, de alegria e amor, quando sua mão calejada repousava sobre a mão delicada do Menino, mas nada lhe traía exteriormente a emoção. Ele conservava a paz e o recolhimento. Agia em tudo com perfeita simplicidade. Dir-se-ia que, de toda eternidade, ele tinha o hábito de mandar a um Deus e de instruí-lo. O zelo, a coragem, a aplicação do seu divino aluno, cuja mão se endurecia no labor eram, para ele próprio, um estimulante para uma tarefa que assim se tornava, de algum modo, uma participação na obra redentora.
As horas de trabalho eram interrompidas pela refeição feita era comum e José devia achar um doce consolo no pensamento de que Jesus vivia dos frutos do seu trabalho. Depois de assistir ao serviço religioso na sinagoga, aos sábados, sem dúvida José fazia com o Menino alguma tranquila excursão pelas alturas de Nazaré. Mostrara-lhe ao norte o majestoso Hermon, ao pé do qual se achava Cesária de Filipe. Depois, para além, a região do lago gracioso Genesará, com Cafarnaum, Betsaida e Magdala. Enfim, a planície de Esdrelon com Naim e do lado do Carmelo, o mar mediterrâneo. Ouvindo esses nomes, Jesus pensava nas almas que o esperavam naqueles lugares. Pensava nas grandes coisas que ali realizaria um dia.
Mas essas maravilhas ainda estavam ocultas aos olhos de São José.
Falando da santa infância do Salvador, o Evangelho nos diz — e este traço é de suma importância — que Jesus ‘'era submisso” a seus pais (Lc 2,15). Vejamo-lo, pois, obedecendo de tão bom grado, com tanta presteza e alegria, apressando-se tanto para antecipar aos seus menores desejos que, evidentemente, não se lhe podia dar maior alegria do que mandando-lhe ou manifestando-lhe um desejo. Sendo, embora, a própria Sabedoria e a Santidade personificada, Jesus queria progredir insensivelmente, revelar aos poucos a sua sabedoria e santidade, passar da infância à adolescência, da adolescência à idade adulta. Por aí podemos inferir quais foram a sabedoria, a doçura, a calma, a autoridade de São José no seio daquela augusta família de que era chefe. Raramente ele mandava. Numa família bem ordenada, manda-se pouco. A ordem estabelecida faz às vezes de direção. Quanto ao mais, lê-se nos olhos dos pais a sua vontade ou o seu desejo.
José mandava com humildade. Alguém já fez este reparo:Para os homens virtuosos, mandar é colocar-se na escola da humildade. Que diremos então de São José?Ele era chamado a dar ordens a um Deus e à Mãe de Deus! Por outro lado, ninguém sabe mandar melhor do que quem melhor sabe obedecer. E José é o homem de uma obediência perfeita, de uma submissão sem reserva a toda autoridade de Deus. Suas ordens, quando as dava, eram antes um pedido. Servia mais do que era servido. Por isso, no seu pequeno domínio, como num verdadeiro céu, reinava a paz, a alegria, a calma, o contentamento, a união, a caridade mais terna, graças à prudência, à humildade e ao amor do chefe da família.
Enfim, por duas vezes o Evangelho observa: — “O menino foi crescendo e se robustecendo, cheio de sabedoria, e pousava sobre ele a complacência de Deus ... Jesus crescia em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,40 e 52). Essas poucas palavras permitem-nos entrever o que foi a vida interior de São José, a vida de sua alma. Podemos ajuizar dela pelos frutos que seu coração deve ter colhido da contínua e íntima sociedade com o Salvador.
A presença de Maria, a conversação com ela, as relações cotidianas com a mais santa das criaturas, de quem um só olhar, uma só palavra, a menor ação eram outras tantas revelações da virtude mais perfeita — isso tudo já era o bastante para santificar uma alma, era uma fonte de graças, uma lição constante. Contudo, Maria era apenas a mãe de Jesus, a mãe de Deus, é verdade. Mas só Jesus era Deus. E esse Deus revelava-se a José sob as formas mais amáveis e mais tocantes — sob a forma de um menino a quem ele fazia às vezes de pai, na confiança e na intimidade mais doce.
Velar por aquele menino, cercá-lo de todos os cuidados que um pai prodigaliza ao filho, vê-lo crescer, reparar-lhe na transformação das feições, observar as manifestações da sua sabedoria e os seus progressos na infância, depois na adolescência e na juventude — que privilégio para o santo patriarca!
Esse semblante de Jesus, espelho sem mácula da beleza, da sabedoria e dos mistérios de Deus, a José era dado contemplá-la cada dia, a cada hora do dia, admirar-lhea expressão nos diversos acontecimentos da vida, na inocência e na inconsciência do sono. Era-lhe dado ler nesse semblante a alegria, a caridade, o reflexo do eterno amor, os ardores da adoração, os êxtases da contemplação. Assim como os anjos, num arroubo que nunca cessa contemplam a face de Deus, se abismam na adoração e acham para o seu amor um perpétuo alimento, assim também José concentrava todos os seus pensamentos e todos os afetos do seu coração naquele foco de toda beleza que era o semblante do Verbo encarnado.

De Maria é dito: — “Ela conservava todas essas coisas, meditando-as no seu coração” (Lc 2,19). Era essa toda a sua vida. Outro tanto se pode dizer de São José. Ele referia tudo a Jesus. Jesus era tudo para ele. O Salvador, seu filho, seu Deus, seu bem soberano, seu único amor — eis aí todo o seu pensamento, toda a sua ocupação, todo o seu repouso, toda a sua missão, toda a sua felicidade. Repitamo-lo: eis aí toda a sua vida, consistindo na honra inefável de viver na intimidade de Jesus, de ter o nome de pai Jesus, de cumprir junto a Jesus os deveres de um pai! Sem dúvida, a julgar pelo exterior, a vida de São José, a vida da Sagrada Família é simplíssima, comuníssima; é mesmo, se se quiser, uma vida exteriormente monótona e pobre. Mas, no fundo, que tesouro de alegria e de paz! Naquele reino de Nazaré, ninguém quer mandar. Cada um obedece na humildade e no amor. Onde está o amor, aí, e só aí, se acham a paz e a alegria.

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